Ao leitor, esse ser imaginário com quem por vezes entrelaço os dedos, o cheiro do papel e a percepção que nós também nos tornamos acobreados.Esse pedaço de papel é feito de carne, da minha.
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
Conto: A Sentença de Morte
O jardim se estendia a se perder de vista. Os narcisos ali estavam para lembrá-lo de não se auto-idolatrar, afinal, os súditos, suas pequenas Eco, já se encarregavam dessa tarefa. O passo era manso e descuidado, apesar de por vezes ele já haver encontrado uma pequena serpente atravessada por entre a grama. Ele as chamava de fino amigo, e achava engraçado uma linha tão tênue ser a passagem entre a vida e a morte.Parou junto à uma das duzentas fontes idênticas do jardim e ficou a contemplar as carpas... quantos olhos haveriam pousado sobre aquelas, além dos encarregados de alimentar os peixes? Será que estes as olhavam? Apesar de haver outras duzentas fontes idênticas e inúmeras carpas parecidas?E foi quando lá do fundo da água(ou seria de si mesmo) ele escutou um pequeno choro.O choro parecia um farfalhar de asas de borboletas, mas o pequeno rei sabia que era um choro, pois o som era profundamente melancólico. E lá no fundo ele viu o que a princípio achou ser uma salamandra aquática e mais tarde veio a descobrir que se tratava de um dragão.O dragão, menor que a palma da mão do pequeno rei, mais dourado que ouro e com os olhos mais verdes que esmeraldas, abriu sua minúscula boca e dela veio um cheiro de fumaça e morte. Suas palavras não eram inteligíveis, apenas grunhidos, mas dentro da cabeça do rei-menino elas faziam sentido.Ele explicava que havia sido glorioso em nosso mundo e que agora se encontrava em outro plano, mas próximo ao nosso, e que gostava de voar livre e assassinar seres inferiores. Disse que um dia imergeria do fundo das águas causando um enorme maremoto e ascenderia ao céus carregando em suas costas um rei-morto.O pequeno rei sentia lágrimas humidecerem seu rosto ao perceber o quanto o dragão apreciava sua vida "Ai quem dera eu gostasse tanto de ser rei, quanto esse ser gosta de ser um dragão", se lamentava. Mas sua inveja logo se dissipou, pois o hóspede de seu jardim disse estar condenado à morte prematura e terrível. O farfalhar de borboletas irrompeu tão violento que o minúsculo dragão parecia prestes a explodir. O rei pequenino tomado de misericórdia, pois apesar de ganancioso e altivo possuia alguma simpatia por um ou outro ser, prometeu dar asilo ao pobre dragão. A boca dourada então contou que o pájem da esposa mais jovem do rei haveria de matá-lo naquela noite.Sem questionar-pois jamais se questiona um dragão- o rei partiu e mandou que lhes levassem ao seu aposento o jovem págem. Em duas horas(era imenso o palácio) o jovem raquítico e visivelmente amedrontado foi lançado pela porta. O rei menino pediu que ele se sentasse junto dele na cama, e disse que gostaria que os dois fossem como irmãos e amantes aquela noite.Para o rei era inevitável abusar de seu poder, e percebeu que para salvar o dragão, seria preciso colocar o pequeno jovem ao seu dispor. Nas duas primeiras horas, o rei e o págem sorriam tímidos um para o outro e brincavam de jogos de tabuleiro, nas seguintes três horas, o rei corria os dedos pelo cabelo do págem e contava para ele de suas boas qualidades e de suas aventuras inventadas(o dragão jamais fora mencionado), nas quartas e quintas horas, o rei obrigou o págem a se despir e deitar-se no chão gélido de pedra, e as gargalhadas do tirano eram escutadas por todos os cômodos como uma voz fantasmagórica, nas sextas horas, o rei-menino também se despiu e chamou o págem para junto de si, afim de que com o seu calor, fizesse com que seus calafrios fossem embora. Eles então se deitaram juntos como homem e mulher se deitariam, e as horas não mais foram contadas pois ambos caíram em sono profundo.À meia-noite, a hora mística, um enorme trovão estremesse o palácio, e pela janela de seu aposento, o rei, tomado de pânico, vê um rajão dourado cair do céus. O coração do pequeno rei fica menor e ele sabe que seu dragão está morto. Após três horas, dois de seus guardas surgem no aposento real carregando uma enorme cabeça ensanguentada, a língua pendente, os olhos vidrados. O rei não mostra surpresa, nem tampouco tristeza, e ordena que a enterrem no jardim próximo à uma fonte específica das duzentas idênticas. Os guardas partem sem questionar-pois jamais se questiona um rei.O págem acorda logo após a partida dos guardas, ainda atordoado e com um pouco de frio, sua voz, até então desconhecida pelo rei, é infantilizada e amendoada: "Meu rei, permita-me contar-lhe o melhor sonho que tive", o rei-menino ascena a mão com desdém para que o jovem prossiga "Sonhei que andava pela relva de um mundo parecido com o nosso, meu corpo era saudável e musculoso, meu cabelo era longo e loiro e eu o sentia macio roçar os meus braços. Em uma das mão carregava uma espada com um emblema que não consigo me lembrar...e dos vêm vindo em minha direção um enorme dragão dourado, seu hálito fede à carnificina e seus olhos são amaldiçoados. Com um único golpe, o corpo todo excitado, decepo a cabeça do dragão e ainda quando acordei podia sentir o sangue quente banhar a minha pele".
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