segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Sobrevida.

Em dias quentes como esse não se podia ao menos chegar em casa e se sentir dignamente humano. Como se sentir um homem morando em um apartamento que fede à gaiola de camundongo? Sempre me imagino no trabalho como se estivesse na minha rodinha: gira, gira, gira, gira... só que com hora pra começar e parar.
Já cogitei me mudar para o quarto andar, mas o prédio é muito antigo e o morador que chegou antes de mim já está aqui há dez anos... e todos são tão resigandos com suas vidinhas chinfrin, que não são diferentes de mim. Mudar nunca é confortável mesmo, e ainda que o fizesse nada garantia nada. Melhor tolerar isso mais uns 6, 7 anos e comprar uma casa de verdade.
A porta de madeira empenada abre, jogo minha pasta sobre a mesa redonda. É prático ficar na única sala, posso ver toda a extensão do apartamento. Minha cama com os lençóis embolados como uma jibóia gorda me cumprimenta de reslaio da porta escancarada do meu quarto. Não estou com vontade de comer por causa do cheiro. Urina de mendigos ou outros. Tem um viaduto no centro que tem esse cheiro... me sinto impelido a passar por ele de nariz tampado, mas fico com medo de ofender o corpo estirado e ainda não morto encostado na parede do tal.
Talvez se eu fumar um cigarro e acender um incenso misture tudo e eu não possa identificar esse cheiro em específico. "Muinha", como diz minha mãe... é uma coisa acre, cheira à sexo, fios enferrujados, e sujeira. Bom, de qualquer modo, o melhor que faço é tirar esses sapatos e me estender no sofá e assistir todos os canais. Dez segundos de cada um. É meu hobby favorito. Santo controle remoto.


Espere! Isso é interessante! Adoro a música de notícias urgentes... me remete à obituários ilustres, catástrofes iminentes nas ilhas da vida, atentatos terroristas nos Estates...
E foi assim que descobri. Nesse instante. Nunca pode se duvidar dessa emissora e seus impassíveis repórteres. Além disso, nunca tinha visto durante toda a minha vida um deles chorar. Não assim, com soluços. Acho que meu vizinho está chorando também. Choro de mulher é mais tolerável, elas choram por qualquer motivo... mas esse choro que vem das tripas, esse choro de profundo desespero... é diferente. A Terra está morrendo, de cancêr generalizado(foi essa a metáfora?), e a espectativa de vida é de cinco anos no máximo. Máximo?! Nem um cachorro pulguento vive menos que isso. Não consigo assimilar a notícia. Talvez seja melhor assim. Sejamos racionais. Caneta, caneta... aqui. Onde coloquei meu extrato?! Acho que ainda tenho uns cinco mil na poupança que estava guardando pra sair desse apartamento. Droga!! Deveria ter me mudado e pagado aluguel... ninguém vai comprar um imóvel fedendo a mijo se...se a Terra está morrendo. Calma aí velho. Não se descontrole... autopiedade vai te jogar no poço da autodestruição e você vai se acabar antes de soarem as trombetas do juízo final.
Bem, o que tenho é suficiente para não ter que trabalhar, na pior das hipóteses poderei viver uns anos a mais que a média(tirando os anos de sono)... isso se os demais decidirem que o melhor para suas curtas vidas vai ser não surtar. Tarde demais... nunca ouvi tantas pessoas chorarem juntas assim. Nem quando o Papa "João de Deus" morreu. Interior!!! No interior as pessoas são mais alienadas e a fé delas é mais cega... não vou ficar na casa dos meus pais, mas decerto posso me arranjar por lá com o dinheiro... mas poutz... meu cartão não me dá direito à um grande saque... e pelo barulho de vidro estilhaçado e polícia o inferno já começou. Vou tentar a sorte... me lembro de ter visto um caixa rápido no posto. Se estiver fechado posso arrombar a entrada.


É inútil usar a buzina... mas com uns quinze minutos consigo chegar até a estrada de terra... a Terra...morren.... aliás!!!! no campo fica mais fácil cultivar. E estocar coisas... ahhh os americanos que estão bem... já se sentiam os reis da cocada preta, imagino como estão agora que a paranoia deles serviu pra alguma coisa... abrigos anti-aéreos e feijão enlatado. Pensando bem eu preferia morrer... morrer do que viver assim. Por que as pessoas não continuam a viver normalmente?? Cinco anos de caos é muito tempo. Pronto! humm... cacete!! Esqueci que pai prefere vinho seco... devia ter comprado ele ao invés do suave... só eu estava comprando mesmo. O atendente da lojinha de conveniência do posto estava chocado demais pra me ajudar a achar as coisas... tive praticamente que passar as compras sozinho... isso aqui deve dar pra um mês pelo menos... que sorte! Os velhos costumam guardar muitas coisas... tenho certeza que na casa deles tem uma porção de bebidas... aquelas que eles ficam com dó de gastar... rá! acho que vai ser a ocasião ideal.


O menininho que corria pra lá e pra cá fica surpreso com a chegada do meu carro... os faróis ainda estavam acesos e ver os olhinhos parados em mim... se perguntando... me fizeram lembrar de apagá-los... essa foi a primeira porteira, por que ele se levantou as três e quarenta?! Na certa é filho de algum vaqueiro ou coisa assim! Segunda, terceira, quarta porteira. Nada de anormal nada além da Terra morrendo... Páro o carro e ele dá aqueles estalos típicos de chão de terra . Minha mãe abre um sorriso de boas vindas meio tenso, limpa a remela dos olhos antes de me abraçar. Não me esperavam aqui em uma quarta feira, ainda mais depois de um ano quase sem vir aqui. "Calma, mãe! Tá tudo bem! É que decidi tirar férias antecipadas... errr... bem... teve uma morte no trabalho... um dos gerentes.... não não o conhecia... aí ficamos parados desde ontem... e decidi aproveitar a deixa" (ainda bem que meus pais não assistem o noticiário das dez e a manhã quase acabou de nascer). Os passarinhos cantam no pé de jambo... pai como sempre já está no curral... ele sai cedo e deixa ela dormindo, quando volta passa um café e os dois comem um bolo nada bom pro colesterol de nenhum deles. Rá! Grande bosta eu ter me preocupado com isso! Acredito que não demora muito para eles ligarem a TV ou o rádio... "Mãe, pai levou o rádio?...não, perguntei a toa... e que lembrei de trazer pilha". Espero que meu sorriso não tenha saido fingido demais...


Enquanto mãe está na cozinha, vou tirando as coisas do carro... aproveito para quebrar "acidentalmente" a antena da tv...isso me dará algumas horas. Meus olhos estão pulando. Preciso dormir... não vou poder ficar cinco anos sem dormir. Depois que eles souberem traçamos nosso plano de... de... sobrevivência. Minha mãe está feliz porque estou aqui, do quarto escuto ela cantando baixinho, acho que é uma música de coroação da Nossa Senhora ou coisa assim, sua voz chega suave, distante, quase imperceptível no meio do som da roça que acabou de espreguiçar, o galo, as galinhas de angola, algumas rãs e grilos...passarinhos... tudo se mistura com os meus sentidos... estou quase caindo... estou embalado... a cama faz um barulho sôfrego quando deito... a janela enorme de madeira pintada de azul está fechada, mas um cheirinho gostoso de mato chega até as minhas narinas doloridas. Cheiro de umidade. Posso fechar os olhos e enxergar através da parede, posso ver as cascas lascando do pé de jabuticaba e as gotinhas da grama molhando a minha galocha. Um gravetinho ou outro se quebra quando eu piso neles. Mamãe e papai estão atrás de mim... minha mãe com uma das mãos colhe umas laranjinhas capetas e com a outra segura o avental formando um cesto. Pai está mais embaixo no açude. A água é barrenta e em alguns lugares ele me mostra a argila que posso usar pra fazer fortalezas para os meus soldadinhos...Ele olha pra trás e me dá um sorriso. O céu está aberto e as nuvens dançam por cima da cabeça de todas as pessoas do mundo. Olho para o lado e vejo minha mão pequeninha dançando no ar "_ Olha mamãe! Sou um avião...vruuuum!".


* Inspirado pela canção Five Years(álbum The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders From Mars, 1972) do David Bowie.

domingo, 4 de outubro de 2009

Fome de dentro

Fome

Pudessem minhas mãos falar às tuas
e dizer-lhes: sim, quero-te muito.
Pudesse eu inundar-te de ternura
e no silêncio ter-te, ampla e desnuda.
Que eu não faria versos sobre mim,
nem falaria em rosas, alma, lua.

Pudesse o meu olhar adormecer-te,
colher-te, fresca e firme, a forma viva.
Que coisas não faria nesta vida?Que coisas não seria?

João Rui de Souza(1928)


Essa ausência engolida de minutos em minutos, é a temida ausência presente... do que se faz mais presente em mim do que qualquer outra coisa.
Não é mais espera e sim o querer, de qualquer outra necessidade primeira.
Não me culpe meu amado, pois não se pode pedir que a fome espere, que a doença passe ou que o tempo páre.
Não se desfaz uma tempestade, nem o apetite de um turbilhão de insetos vorazes- plantação à vista.
O canteiro onde brotam as minhas emoções é todo flor. O tempo todo.
Nasci uma pessoa intensa seja para a felicidade ou seja para a dor.
Se sinto a fome, é de um recém-nascido, se sinto a dor, é a dor do parto.
Então é de minha natureza querer-te tanto, uma vez que és tão primeiro.
Não me negue a minha própria necessidade, a aceite como escutas a palavra amor de meus lábios.
Como o que construímos juntos para tal palavra.
Quando digo saudade, é na verdade, pura fome.

Dinheiro.

Com o seu vestido novo e seu indefectível blush e batom vermelho, ela se vê no espelho enquanto some em seus nauseantes devaneios. Os homens nem ao menos se barbeiam mais ao passo que as mulheres estão cada vez mais lindas. Ela pensa em todos os cifrões da indústria da beleza ali em sua penteadeira. Sua pele é tão macia, seu perfume, tão sofisticado, seu corte de cabelo a deixa leve. Ela é "verdadeiramente" sexy. Para isso se abdica de muitos minutos que poderiam serem gastos de maneira diferente. Mulheres nunca são legitimamente livres. As demasiadamente independentes ou se enrigeceram muito ou intimidam por demais os homens- que preferem as mais comuns, menos inteligentes e consequentemente menos desejadas.
O interfone toca e ela sai. Desanimada entra no taxi dizendo boa noite e o itinerário até o scoth bar. Bares não são os lugares mais adequados para se ir sozinha, mas ela não tem muitas opções. O taxista se esforça para começar algum assunto, mas ela está absorta olhando pela janela. Seu reflexo nas luzes da noite viva. Ela não o dá gorjeta- o faria se ele tivesse sido discreto. E entra pela porta. As outras mulheres usam roupas muito curtas ou muito casuais. Os homens usam as camisas desleixadas e desabotoadas. Todos falam alto por demais. Ela se senta sozinha, na mesa mais afastada. Intimamente deseja ficar assim por toda a noite... observando os quadros, aquelas pessoas toscas, e ouvindo a música abafada pelas muitas vozes disconexas. É como estar em outra realidade.
Mas o olhar de "Não se atreva!" é menos forte do que o falso apelo de uma mulher sentada sozinha e em menos de dez minutos ela é assediada pela maioria dos homens ali. As outras mulheres ficam mais caladas e lançam olhares gelados enquanto um meninote se aproxima e senta, só depois pergunta se pode ficar ali. Ele tenta impressioná-la pedindo uma bebida medianamente cara e lhe dizendo que é dono de seu próprio negócio. Como a presença dele tira parte de seu prazer, ela opta por pedir um drink simples mesmo podendo pedir algo que estivesse fora do cardápio. Profissionais liberais são o mesmo que desempregados desiludidos, mendigando centavo por centavo por uma estabilidade inexistente. Provavelmente aquela seria a última bebida que o rapaz viria a se servir aquela noite. Com o tempo encurtado pelo orçamento, ele a pergunta, ela o responde prontamente:"-Não sou livre!" e ri, ele obviamente não percebe a ironia.
Ela se sente deslocada de maneira proposital. É bom se sentir fora de casa. Mesmo que a realidade íntima não esteja ali, naquele lugar ou em qualquer outro. Muitas coisas que não existem mais, ou nunca existirão. É senão desprezível aceitar menos do que se tem à oferecer. Ela não é hipócrita consigo mesma...mesmo que isso lhe custe possuir uma solidão.
Acende um cigarro e pede um drink. Ignora tudo- menos suas fantasias. Aquele garçon deveria vestir-se de terno e esvaziar sempre que possível o cinzeiro. As pessoas o tempo todo lhe convidando para sentar à suas mesas e beber cerveja em copos americanos. Elas e eles a devoram como esfomeados. O cheiro azedo da cevada a faz lembrar de suor, dias horripilantementes quentes e homens sujos depois de um dia inteiro no trabalho com seus sonhos drenados por prazeres que eles nem ao menos podem comprar todo dia. Ou beber ou comer.
Se abstrai por um instante, pousam delicadamente uma garrafa do melhor vinho da casa e enquanto lhe servem uma taça-bonita, gorda e erótica- o garçon lhe diria em tom solene que o vinho era cortezia do cavalheiro de preto à sua esquerda. Lañça um olhar discreto, sorri e se enrubesce. Ele faz que não olhava. Então ela prova do vinho levando devagar a taça até seus lábios. Úmido, encorpado, rubro, dançando em sua língua e logo se evaporando voluptuosamente...é preciso trancar um pequeno gemido, suas coxas suadas se apertando por debaixo da mesa- uma contra a outra. O vinho frio e o vapor quente de seu hálito pinta de névoa a borda da taça.
Ele lhe sorri pretensiosamente e ela em um gesto simbólico ergue a taça em um brinde imaginário. O cavalheiro pede para se sentar junto dela mesmo sabendo que o gesto anterior sinalizava um convite. E eles conversam a noite toda, ela não bebe mais do que duas taças acompanhadas de outra com água gaseificada. O homem pede a conta daquela mesa, e ao sairem se oferecere para levá-la até em casa. Naturalmente ela deve recusar a gentileza e se limitar a entregá-lo um com o seu número. Ele chama o taxi, abre a porta e os dois se despedem com um aceno.
Na semana seguinte ela receberia um buquê grande de rosas vermelhas com um convite para jantar em um restaurante refinado, com mesas reservadas e vista para a enceada. Seu cavalheiro seria cortez o bastante para saber que um jantar em sua casa seria avançar demais. Eles teriam uma noite agradabilícima. E ela, se aproximaria do rosto dele e lhe daria um beijo lânguido contra as bochechas a nível de promessa.
"-Isso sim é sexo!"- irrompe de sua boca, ecoa pelo scoth bar assombrando a todos. Não se incomoda por haver estado fantasiando. Pede a conta e sai com inteiro desprezo por aquelas pessoas.

domingo, 27 de setembro de 2009

Inanição


Trabalhávamos em uma fábrica imunda e desolada no fim dos tempos depois da grande última guerra. Estiradas e enferrujadas a maquinaria se assemelhava à um gigante colossal de um animal inventado.
O trabalho era simples: consistia em triturar entulhos para transformá-los em matéria prima onde se protejer das condições extremas. Mas nada se é simples quando há um espaço vazio onde deveria haver digestão. Depois de um tempo a impressão que se tem é que o corpo se devora de dentro para fora... a começar pelas próprias paredes do estômago.
A sutileza da situação, levou alguns ao canibalismo... homem contra homem, homem come homem... ao se pensar bem, nota-se que é um absurdo menor que a guerra em si. É um absurdo de sobrevivência.
Eu, no entanto, tenho o paladar sensível para um sabor tão exótico quanto a carne humana. Não me apetece roer os dedinhos de uma mão e chupar-lhes o tutano dos ossos. Mais aprecio a minha inanição. Morte lenta e dolorosa.
Não temos salários, nem nenhum outro tipo de pagamento. Assim sendo, funcionários dos mais diversos caráters são contratados(apesar de não haver um contratante em si). Enquanto a máquina mastiga, me concentro em sua digestão e deixo de reviver por um instante a morte das minhas filhas e o estupro e assassinato de minha jovem e suave esposa.
Um fato nos une, por mais sortidos, por mais motivos obscuros que nos levem à estar ali: todos têm fome.
Um funcionário acidentalmente moeu seu braço. Indiferentes, os observamos gangrenar até a morte...as engrenhagens tingidas de mais vermelho além da natural ferrugem. Um grupo de canibais o observavam morrer enquanto passavam as línguas sobre seus dentes bestiais.
Eles são boas pessoas. E provavelmente trabalharão por mais tempo que eu.

sábado, 5 de setembro de 2009

Areia.

Estou desenvolvendo um câncer. As vezes penso que desde que nasci. As vezes o imagino sendo tomado dráguea à dráguea, mês após mês...até o ponto em que meu útero se encherá de pus e será arrancado de mim e jogado no lixo hospitalar junto das outras carnes podres de outras pessoas. Cânceres e amputações indigentes.
As vezes imagino que será meu pulmão. Preto como uma ameixa ou um membro com gangrena. As vezes me vejo deitada na areia da praia, a radiação do sol queimando a minha pele e fazendo nascer pintinhas que são fundas fundas e mais parecem a raiz de um dente do que uma pequena mancha quando são arrancadas a laser.
Estou desenvolvendo esse câncer castrada, calada... porque estou e não estou sozinha. Na minha fantasia as pessoas dividem essa responsabilidade comigo e percebem que os vinte segundos que economizaram para si ao invés de me ouvir/agradar/atender- não necessariamente nessa ordem, ajudam esse cancêr a fazer mais uma alegre metástase alguns anos a frente.
Quando sinto esse câncer crescendo me vejo na minha brincadeira favorita.Cochilando, semi-consciente, de bruços na quebra da onda. A cabeça levemente virada deitada sobre o braço dobrado para que eu possa respirar o mínimo de ar...cada vez que a onda vem, a areia devora um pouco mais o meu corpo. A água salgada brinca de empurrar meu cabelo para dentro e depois para fora. Afundando. E lamento por não conseguir morrer de verdade, mesmo já estando morta.

domingo, 30 de agosto de 2009

Cordas.

Tenho duas coisas em minhas mãos. Meu falo e as milhares de cordas que movimentam uma indústria mórbida de decadentes fantoches humanos, se abrindo, se sujando, se limpando, se atracando, se amando ou não, com famílias, pais, mães, filhos e filhas ou não, se sentindo bem vivendo assim, ou atuando de maneira incontrolável e convincente: estrupos, pedofilia, jogos de poder. Ou apenas vendendo o que se tem pra vender, a alma, o corpo, a individualidade e a legitimidade do prazer, se abrindo, deixando se ver dentro mais sem se ver. Sendo os invisíveis, os personagens, glamour decadente ou apenas ganham pão. Sem possuir ao menos nomes nos créditos, ninguém os sabe da maioria bruta. Bebendo o semen de vários ou de outros animais, sendo animalescos ou simulando amar. Prostitutos e prostitutas, alguns sonhando em ser atores mas sonhos distantes para quase todos, porque se coisificam, esperam as linhas serem movidas, nem como humanos afinal. E por trás de tudo isso, consciências enubriadas pelo prazer ou não. Agora sou apenas um membro, despido de roupas, almas e pensamento. Sou um membro solitário e imaginativo me alimentando de fantasias que não são caras nem tangenciáveis. São míseras fantasias, ocas, de pessoas que se vendem e são só membros também. Membros puxados por cordas. Justamente as que eu seguro agora. Então, já não somos pessoas. É simples assim?!

domingo, 19 de julho de 2009

Relato: Dentro

Levava ele dentro. Quente, secreto, profundo. O Amor. Quem a visse assim, tão livre... nem imaginaria que aquele pequeno sol estava ali aquecendo seu ventre. O sol dos sóis. O sol a derretia e ela sentia-se preenchida, plena. Ela pertencia à ele e ele era todo seu.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Relato: Aquário.

As unhas coloridas eram peixinhos que lavavam as pedras do fundo do aquário. Enquanto isso, um peixinho azul e roxo dançava dentro de um copo, suas barbatanas longas de uma dançarina espanhola.
Ela se perguntava o porquê da tristeza que sempre, mesmo que fosse umazinha, uma tristezazinha boba boba e pequena, a sugava tanto. As tristezas a devoravam como uma enorme boca de baleia azul. Seus milhares de pensamentos de plâncton.
Suas unhas, por exemplo, estavam tão bonitas ali debaixo da água e ela até se permitiu brincar um pouco. Seus olhinhos de pepita ERAM tristes talvez, mas quase ninguém notava. Porque sua boca e seus olhos quase nunca andavam juntos.
Aí ela se cansou e voltou para o seu quarto-aquário.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Relato:Uma caminhada boba...

Ao caminharmos ali-de mãos dadas- parecíamos mais a carta de um morto que chega pelo correio. A situação toda parecia surreal, aliás, era um passado encabível na minha vida. Quando andávamos ali-tão patéticos... eu sentia uma vergonha crescente do que estávamos fazendo. Despedidas póstumas, desenterrar um cadáver para passar mais uma vez pelo velório.
Eu te olhava procurando ângulos familiares e não os encontrava. Você estava débil. Sorria só por fora. E seu beijo era quente, procurava por mim... uma retribuição. Eu no entanto, somente lhe oferecia minha boca. Foi como beijar um estranho travestido de conhecido. Já não te conhecia, ou já não te amava. As suas pintinhas continuavam ali, os seus dentes tão alinhados, e o jeito trôpego de caminhar era o mesmo, até as falas eram parecidas... meu nome secreto dito com ardor. Você estava pedante e nostálgico.
Não sei porque me levei até aquele trecho. Nem ao menos quis me arrumar: meu cabelo caía em mechas desordenadas, a blusa de frio desbotada e a calça dobrada em tamanhos diferentes(no fundo não te achava mais digno de me ver vaidosa- não para você). As árvores nos cercavam com seus troncos grossos e seus braços esticados..."venha minha filha, venha...". Eu estava livre.
Você falava e falava. Eu olhava nossas mãos entrelaçadas com espanto, um espasmo post-mortem, um ato automático, e minha mente ia até onde a água corria. Sempre havia escutado, jamais havia visto. E o trecho íngreme e pitoresco. A paisagem toda bucólica. O oásis da cidade. Pensei o quanto queria estar ali sozinha e não com você. Mas suas ligações aos prantos todas as noites, os choros desesperados na minha porta. Ainda não havia me velado não é mesmo?!
Agora, estamos perto da minha casa. Você me diz mais uma vez que me ama e que eu estarei casada e com filhos antes que você possa se interessar por outra. Você era tão grande antes, tão forte. Você era desejo. E ali, ali...estava uma sombra. Um homem pequenininho e fraco, implorando por um amor que ele mesmo assassinara.
Antes desse dia, eu te lembrava com dor. Te lembrava cuidando de mim, te lembrava me fazendo rir. Hoje, se a sombra do que foi me vem a memória, seja por um nome escrito aqui ou ali, um presente antigo... não me lembro do seu perfume, ou do seu abraço. Não me lembro do seus carinhos ou do seu gosto. Essa foi a sua escolha: me fazer lembrar de você assim: as mãos entrelaçadas com os dedos de uma estranha naquele último dia. Me lembro vagamente de você beijando o meu cadáver, e aquele beijo me causando asco...sem que a lembrança dele me cause pena, remorso ou saudade.
Você nem ao menos existiu.

domingo, 14 de junho de 2009

Prefácio de um livro fictício.

“Todo o estado de alma é uma passagem. Isto é, todo o estado de alma é não só representável por uma paisagem, mas verdadeiramente uma paisagem. Há em nós um espaço interior onde a matéria da nossa vida física se agita. Assim uma tristeza é um lago morto dentro de nós, uma alegria um dia de sol no nosso espírito...”

Fernando Pessoa em Cancioneiro

“A poem should not mean
But be”

Archibald MacLeish em Ars Poetica

O papel que é feito de carne. A minha carne. Escrevo para um leitor que desconheço e ainda assim, com quem entrelaço os dedos e me deixo guiar para dentro do que sou como palavras. Não entendo o sentido do que eu faço, não sou mais do que uma criança abandonada a quem estranhos esticam um pouco de afeto em forma de uma mão que poderá acariciá-la ou matá-la. A diferença é que não será eu quem chegará a algum destino, sou simplesmente quem lança essa criança à sua própria sorte. Não presenciarei o final do processo, embalde tenha gestado e parido.
Mas há nisso tudo uma necessidade primeira. Essa necessidade estranha do ritual da escrita. Corro à escrever como corro à viver- com uma ânsia agônica. Minha escrita é uma vida sem controle onde se é recém-nascido o tempo todo. Sou livre dentro dela, exatamente por senti-la como algo que não me pertence. E paradoxalmente se trata(a minha e possivelmente qualquer escrita) dos fragmentos desfigurados de percepções sobre a realidade ou irrealidade do que sou. Se há um amadurecimento, se há arte no que faço, não posso perceber. As coisas simplesmente o são. Dessa maneira me encontro com um eu que escreve, o sendo. Um apêndice da minha existência...
... ou talvez a parte imersa do iceberg que todos somos.


ps.: Aos meus leitores, meu pesar por não conseguir revisar meus textos... não consigo me reencontrar com eles ainda, e as inconcordâncias verbais e demais desmazelos tomariam o lugar que deveria ser de um tempo real, e meu blog deixaria de ser essa coisa (ir)real e de tempo inteiramente emocional... espero que minha dislexia desleixada(é com x ou com s?) não atrapalhe(muito) a leitura.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Relato: Fumaça

Birrea de Sclerocarrya


Quando seguro o meu destino entre o indicador e dedo médio me sinto dona de mim. Como tudo nessa minha vida tenho que significar, não há o que eu faça só pelo prazer carnal. O prazer pra mim corre em outras veias e pulsa em outros lugares. Meu prazer é relacionado intrinsicamente ao que eu significo. Nem sempre para os outros. A minha melancolia vem em não ser escritora da minha vida real.




Duas vidas, uma lida outra subtendida... e as pessoas não são boas em ler nas entrelinhas das ações reais. Isso faz com que eu seja uma escritora frustrada de minha própria história e assim corro para os braços do meu leitor desconhecido, ou conhecido às vezes, esperando que eu assim, tenha mais voz. Embalde continue muda.




Ele é pequeno e fálico. Sempre os de sabor exótico e sofisticado(entende-se que custa caro), afinal, não é um prazer que eu declare banalizado. São poucos por semanas...e atualmente tem sido nenhum. É como o damasco ou marula. Nunca falei disso antes... mas está longe de ser um vício vulgar. Pessoas vulgares têm vícios vulgares.




O que se subtende derretê-lo, matando-o lentamente(e me matando lentamente), a pequena brasa acesa, a fumaça dançante é que sou poderoza. Imagino que a cinza que caí são pedaços que se decompôe do símbolo fálico, do domínio do homem sobre as mulheres...e assim, devoro com a minha respiração, devoro com a minha simbologia, o instrumento de poder e da subjulgação idiota, idiota, idiota a qual nos temos submetido por séculos e séculos.




Com o cheiro da fumaça em minha narina, a boca e o pulmão cheio dela, grito. Ela é o meu grito de emancipação. É o meu grito de sou dona das minhas escolhas, da minha própria vida, da minha merda de vida e também do meu dinheiro. Também dona da minha morte.




Com o meu destino entre os dedos indicador e médio, brinco de ser mulher de verdade, crescida e livre, brinco de não querer ser beijada por ninguém, além do languido beijo de língua erótico do tabaco e de um café depois talvez.




E assisto a bucólica névoa levar para longe longe longe meu corpo, que é só matéria estúpida... como todo o corpo o é. Como todo sentido é estúpido. Como são cegos os sentidos das minhas ações... quem olha vê um sorriso de liberdade e o confunde com um sorriso de vício.




"Nada personifica o Espírito da África - a essência do AMARULA - tanto quanto o elefante africano. Símbolo duradouro, este gigante majestoso da savana africana evoca imagens eternas de uma vida selvagem não-influenciada pela modernização e industrialização."

domingo, 24 de maio de 2009

Sobre dias chuvosos...

Tinha uma boate onde a música era sempre alta e as luzes sempre rodopiavam, rodopiavam. Tinha uma garota despedaçada e também ela rodopiava. Ela achava que dessa vez terminaria de morrer, se quebraria por completo. Tinha um fantasma que era um personagem masculino ficcional e ficcionais eram suas palavras- que ainda assim eram cortantes. E tinha um outro, um corpo atrativo mas sem mente que a propusera um envolvimento e ela dissera "não" porque ela tinha mente e corpo. Tinha também uma garota, outra, do passado que carregava o sol,e cheirava à canela e temperos exóticos. Toda quente. Mas também a coisa mais livre e por isso não se valia a pena a prender, ela perderia o canto e minguaria. A garota despedaçada não era má, ou perversa. Ela era uma boa alma. Era frágil por dentro e ninguém notava a melancolia escondida de euforia e decisão. Tinha uma alma gêmea mas como gêmeas siamesas, elas não se completavam, as duas juntas eram um monstrinho de solidão e desesperança mas as duas se embebiam de suas danças e se concentravam na parte divertida do mundo em que elas eram a espinhela alienígena por serem legitimamente boas e verdadeiras. Elas sabiam de coisas delicadas e bonitas e fingiam uma pra outra estarem inteiras.
Então aconteceu de um dia uma dívida a ser paga. Era um dia de chuva. O dia feio e o dia mais bonito. A chuva caia e a fumaça dos cigarros dela escalava o céu preto. Era um dia estranho, ela vestia roxo e estava sem maquiagem. Tinha um silêncio pouco usual na atmosfera. Esse silêncio se fazia dentro dela, ela estava paralisada. Tinha um homem aquele dia, mas sempre tinham homens e mulheres e todos eram potencialmente perigosos pra quem está sozinho e pronto para morrer. Talvez haja uma beleza mórbida e estravagante em pessoas assim. E ele a quis de fato conhecer. Ela sublimou e lutou com o rush de sentimentos que insitiam em tentar sugir e mesmo com a vista cega pelo medo ela o viu. Mas naquele dia ela sorriu o sorriso mais triste, e não soube se ele percebia que ela não vestia seu verdadeiro rosto...aquele dia.
Mas dias generosos vieram, e ele era a coisa mais complexa e maravilhosa que ela sabia existir e resolveu o guardar consigo, como amigo talvez. Mas com suas mãos em concha, ele recolheu a matéria que havia sobrado da menina despedaçada e construiu uma nova. E muitos dias depois eles se beijaram. E agora ela se sente pronta de novo para ter alguém só seu. Ela o ama como se amaria um príncipe que derrota o dragão. O dragão era o medo. E ele sabe como cuidar de algo aparentemente forte mas que é mais frágil que qualquer criaturinha bebê. Em outros tempos ela cantaria "amor, amor" pelas esquinas, mas esse é um segredo seu: ele não é sua última esperança, nem uma esperança sequer. Ele é o fio traçado e emaranhado pelas Tríades... porque quando não há expectativas se é simplesmente. E assim ela o quer para si. Um querer sem querer. Um querer póstumo. Um querer maior do que os de todas as horas vividas. Ele forjou a necessidade com seu brilhantismo extraordinário, versos seus e emprestados, e um universo de coisas infinitesimalmente encantadoras. Ele a reconstruiu.

terça-feira, 19 de maio de 2009

O Fantasma das Cinco da Manhã

Primeiro escuta-se o barulho dos passos. A consciência um pouco enebriada pelos sonhos, ainda sem saber se era verdade. Então a voz. "Acorde, minha gatinha, estou em casa". Ela abria os olhos de plumas e ele sorria ao ver que tinha um pouco de remela neles. E então ela virava de novo. "Ei, você tem que acordar, garotinha, eu preciso de você". Então um "bom dia" rouco e afável. Ele a beijava sofrêgamente e contava várias histórias sobre o futuro. Ele a envolvia em uma corrente mítica e antiga e a fazia entender o significado de palavras novas em um dialeto estranho. Ele dizia que o amor dela era como "Deus"... inexplicável em palavras humanas. E então, ela se levantava, se lavava do cheiro dos dois e ia trabalhar.
Eles se conheceram casualmente, ele disse que estava apaixonado casualmente,(mas ela já estava apaixonada) e assim foram criando rituais e rituais. A teia da ficção urdindo urdindo urdindo como uma louca a teia de uma vida conjunta...e aos poucos ela ia jogando fora tudo, até seu próprio nome, e vestindo aqueles sonhos... tão perto do adormecer essa realidade. E ia sorrindo pelos cantos, e se gabando dessas horas. Íntimas, íntimas, pensava.
Mas um dia os passos não vieram, e ela não sabia se ele estava vivo ou não. As amigas diziam para ela esquecer, mas ela dizia que ele ainda não a tinha matado, então que gostaria que ele continuasse pensando nela com carinho. (Mas dentro, ele a assassinava com a ausência, e quando o relógio batia cinco da manhã ela estava agônica e então morria)... "mas ele não significa nada, minha querida"... "eu juro".
"Acorde. É de verdade", e ele voltou. Ela ainda o esperava por dentro. E quando ele se foi de novo, ela passou a trancar a casa. Anos passaram e ela trancou também seu corpo. Se casou, teve filhos, mas carregava pra sempre esse fantasma vivo, o não saber, o fantasma das cinco da manhã, aquela necessidade urgente que se tornou medo...um dia...passos... "acorde, minha gatinha"...

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Mutilação.

Elas foram nascidas um só organismo e perfeito. Xipófagas, em o que seria um eterno abraço...poderiam ter sido até os quarenta a principal atração do circo de bizarrices, junto da mulher mais gorda do mundo e dos anões com seus dedinhos demasiadamente curtos.

Mas com a ciência moderna, foi possível dessarranjar aquele corpo único e transformá-lo em dois. Os corações batendo descompassados após o bisturi romper o último dos fios que as ligavam... uma fina artéria que comunicava aqueles dois músculos. Poderia ser pior, elas poderiam ser o homem elefante, sonhando viver como gente, animal e não animal ao mesmo tempo, se ao invés de dividirem o fígado dividissem o hipotalo.

Uma delas no entanto tinha uma perna diminuta e aleijada, mal tocava o chão. Parecia uma tromba mumificada.

A medida que elas foram crescendo, talvez um pouco mais amarelada que as outras crianças. A aleijada olhava diaramente as três pernas sadias e lamentava, como não fazê-lo, a sua condição...antes não as tivessem separado e ela teria por direito o resto do seu corpo. E elas seriam ambas monstrinhas, e a solidão seria mais tênue.
Como compensação natural da desventura, ela era terrível, ela era seu próprio demérito e da sua boca saiam vespas que combinavam perfeitamente com o seu membro disforme. Quando somos machucados, os humanos, aberrações ou não, tendemos à ferir os demais, como se assim pudéssemos descontar o nosso mal. Nenhuma compaixão e caridade é suficiente, queremos a dor igual à nossa, nossa, essa dor imcompreensível por natureza, violando o santuário das pessoas saudáveis que nos cercam e tentam ser simpáticas. Desta maneira também adoecemos a alma. O ser humano definitivamente é um animal triste.

No aniversário, ela se maquiou e colocou um vestido branco e leve. O cotoco da perna como um fantasma projetando sob o tecido enquanto a irmã dançava e ria com os rapazes... ria com todos os seus dentes, com todas as suas pernas saudáveis.

O rímel escorre na trilha das lágrimas, sôfregamente, ela se levanta, e salta como um coelhinho até a sala. Todos desviam os olhares de seu jeito trôpego de caminhar...apoiando-se nas paredes e nas grades adaptadas. Sua irmã, os dentes e a boca abertas em um sorriso que ainda não havia morrido, surpreendida pela rapidez daquele corpo nefasto e desaliando, não consegue mudar-se para o luto. É muito tarde. A aleijada diz: "-Eu deveria ter morrido e apodrecido enquanto você fingia ser uma só."

quarta-feira, 29 de abril de 2009

A Mulher Completa



Debaixo da água morna do chuveiro ela era extensa. Se sabia longa, uma jornada de pele macia e perfumada. Léguas e léguas a serem percorridas. Se sentia a matriz da terra, a fornecedora, a esfomeada embalde seus seios parecerem capazes de alimentar todos os famintos. As formas delicadamente redondas, tão eróticas e femininas, cheias de curvas secretas, seu próprio labirinto. Se sentia única mas seu corpo poderiam ser vários, cada nuance de sete ângulos, e ela era sete mulheres diferentes. Suas formas peculiares a faziam sempre nova e misteriosa. Fartura, amor e tesouros... tudo se cabia...aconchagante e macia. Útero- ela era toda carne e ainda assim estreita. Ela era mais quente que a água e mais molhada do que ela. Genitora e amante. Alfa e Ômega.Ora, ela era uma mulher completa.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Relato: A menina e o rubi


A menina tinha um rubi. Ele era roubado e secreto(para alguns). Tinha gosto de coisa muito proibida, de tentação das tentações... contra a luz ele deixava a atmosfera tão embrigada e lasciva e tudo girava, girava, girava como a dançarina no mastro. Ele era lapidado e bruto ao mesmo tempo. E nada combinava tanto com veludo negro quanto aquela pequena pepita(nem tão pequena assim)... Ela era dela sem ser. E de certa maneira à tinha escolhido por ter sido deixada ao alcance de suas mãozinhas curiosas e sedentas... o rubi era geladinho e parecia gostar muito daquela pele alva de bochechas rosadas, ele dizia que a menina era deliciosamente pálida com um tom de saúde. O rubi era enfeitiçado, a menina nunca queria saber de outra pedra, nunca achava pedra melhor, ou parecida, ainda que lhe fossem oferecidos diamantes delicadinhos e memoráveis, quartzos quentes e sinuosamente desenhados. Na verdade, as outras pedras não eram piores, estavam sendo injustiçadas... porque somente o rubi era roubado. Somente o rubi era erótico e voluptuoso, tinha um ar e um cheiro de pedra antiga com uns toques inusitados em seu corte. O rubi era tão sofisticado que a menina sentia prazer só em olhar.

Relato: Assassina

Tem dia que acordo com vontade de matar e nem percebo. As vezes quero matar à mim... tento fazer isso gradualmente com pequenas punições: problemas imaginários, dietas indigestas, escolhas nocivas, atalhos para lugares sem volta ou solidão. Não consigo. Frustrada, por fim, tento matar nos outros o que amam em mim.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Nightfall- By Neil Gaiman

Nightfall (Cair da Noite)
Neil Gaiman

Half-remembered lines of Shakespeare -- (Meio lembrados versos de Shakespeare)
change of times and states and crystal tresses -- (Mudança de tempo e estado e emaranhados de cristal)
and Pepys, going out with his wife to see the comet, (E Pepys*, saindo com a esposa para ver o cometa)
and afterward the plague, (e depois a praga)
and then the fire. (e então o fogo)

I always wondered how they noticed comets,(Eu sempre me perguntei como eles diferenciavam os cometas)
after all, the sky is filled with stars and planets,(afinal, o céu é repleto de estrelas)
and I've never quite been able to tell the two apart, (e eu nunca fui capaz de distinguir duas delas)
see which was which.(ver qual é qual)
And why did comets scare them so? (e por que os cometas os assustam tanto?)

Stars fall, Which is much worse, (Estrelas caem, o que é muito pior)
But that does not make us fear that wars will come, (Mas isso não nos faz temer que venham as guerras)
and fires and plagues will come,(que venham os fogos e as pragas)
established things be overturned and new things come (coisas estáveis são reviradas e coisas novas vem)
-- and new things are never comfortable things.(--e coisas novas nunca são coisas confortáveis)
So I walk down to the woods, and stare up at the night.(então eu caminho pelo bosque, e comtemplo a noite)
So many stars. But only one comet, obvious, and perfect and precise, (Tantas estrelas. Mas apaenas um cometa, óbvio, e perfeito e preciso)
its tail a ghost and white against the night. (Sua cauda um fantasma e branco contra a noite)
On seeing it, I understand at last.(Ao vê-lo eu finalmente compreendo)
And shiver, (E arrepio)
for the change that's always coming.(Pela mudança que está sempre vindo)

*Samuel Pepys, Londres, Inglaterra(1633-1703)foi administrador da marinha Inglesa e membro do Parlamento, famoso por seu diário e seus testemunhos oculares sobre a Peste Negra, o Grande Incêndio de Londres e a Guerra entre Dinamarca e Inglaterra(1667)

http://pt.wikipedia.org/wiki/Neil_Gaiman ----> Neil Gaiman é o meu quadrinista favorito, além disso gosto muito de sua prosa e poesia também(alguns livros mais do que outros, como com qualquer autor), como não gostar de alguém que gosta tanto assim de gatos, tem um prefácio escrito pelo próprio Clive Baker(outro adorado) para um de seus quadrinhos e escreve um prefácio lindo sobre confluência especialmente para o Brasil- e com propriedade, verdadeira... A "Abrace-Me"(Hellblazer Número um), escrita por ele para o Constantine é muito minha..."quando nos abraçamos na escuridão, não fez com que a escuridão fosse embora...quando nos abraçamos, nos sentimos não seguros, mas melhores. "Está tudo certo" sussurramos."Estou aqui: eu te amo". E mentimos, "nunca vou te deixar"

Velha História

Velha História - Mário Quintana Que singelinha e fofa! Para Felipe Godoy e Lidiane.

"Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então, ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelo café. Como era tocante vê-los no "17"! o homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando do peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial... Ora, um dia o homem e o peixinho passeavam à margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho: "Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!..." Dito isso, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n’água. E a água fez redemoinho, que foi depois serenando, serenando... até que o peixinho morreu afogado..."(Quintana, 1976, p. 105)

O Rouxinol e a Rosa

Um dos contos de meu escritor(um dos) favorito. Esse conto, nada tênue, é grave e legítimo...um clamor para não se perder a sensibilidade, ou não se desperdiçar sendo excessivamente sensível... ainda procuro um ponto de equilíbrio... tendo ser rouxinol demais nessa minha vida...

O Rouxinol e a Rosa

Oscar Wilde

_ Ela disse que dançaria comigo se eu lhe levasse rosas vermelhas – exclamou o Estudante – mas estamos no inverno e não há uma única rosa no jardim...
Por entre as folhas, do seu ninho, no carvalho, o Rouxinol o ouviu e, vendo-o ficou admirado...
_ Não há nenhuma rosa vermelha no jardim! – disse o Estudante, com os olhos cheios de lágrimas. – Ah! Como a nossa felicidade depende de pequeninas coisas! Já li tudo quanto os sábios escreveram. A filosofia não tem segredos para mim e, contudo, a falta de uma rosa vermelha é a desgraça da minha vida.
Eis, afinal, um verdadeiro apaixonado! – disse o Rouxinol. Tenho cantado o Amor noite após noite, sem conhecê-lo no entanto; noite após noite falei dele às estrelas, e agora o vejo... O cabelo é negro como a flor do jacinto e os lábios vermelhos como a rosa que deseja; mas o amor pôs-lhe na face a palidez do marfim e o sofrimento marcou-lhe a fronte.
_ Amanhã à noite o Príncipe dá um baile, murmurou o Estudante, e a minha amada se encontrará entre os convidados. Se levar uma rosa vermelha, dançará comigo até a madrugada. Somente se lhe levar uma rosa vermelha... Ah... Como queria tê-la em meus braços, sentir-lhe a cabeça no meu ombro e a sua mão presa a minha. Não há rosa vermelha em meu jardim... e ficarei só; ela apenas passará por mim... Passará por mim... e meu coração se despedaçará.
_ Eis um verdadeiro apaixonado... – pensou o Rouxinol. – Do que eu canto, ele sofre. O que é dor para ele é alegria para mim. Grande maravilha, na verdade, é o Amar! Mais precioso que esmeraldas e mais caro que opalas finas. Pérolas e granada não podem comprá-lo, nem se oferece nos mercados. Mercadores não o vendem, nem o conferem em balanças a peso de ouro.
_ Os músicos da galeria – prosseguiu o Estudante – tocarão nos seus instrumentos de corda e, ao som de harpas e violinos, minha amada dançará. Dançará tão leve, tão ágil, que seus pés mal tocarão o assoalho e os cortesãos, com suas roupas de cores vivas, reunir-se-ão em torno dela. Mas comigo não bailará, porque não tenho uma rosa vermelha para dar-lhe... – e atirando-se à relva, ocultou nas mãos o rosto e chorou.
_ Por que está chorando? – perguntou um pequeno lagarto ao passar por ele, correndo, de rabinho levantado.
_ É mesmo! Por que será? – Indagou uma borboleta que perseguia um raio de sol.
_ Por quê? – sussurrou uma linda margarida à sua vizinha.
_ Chora por causa de uma rosa vermelha, - informou o Rouxinol.
_ Por causa de uma rosa vermelha? – exclamaram – Que coisa ridícula! E o lagarto, que era um tanto irônico, riu à vontade.
Mas o Rouxinol compreendeu a angústia do Estudante e, silencioso, no carvalho, pôs-se a meditar sobre o mistério do Amor.
Subitamente, abriu as asas pardas e voou.
Cortou, como uma sombra, a alameda, e como uma sombra, atravessou o jardim.
Ao centro do relvado, erguia-se uma roseira. Ele a viu. Voou para ela e posou num galho.
_ Dá-me uma rosa vermelha – pediu – e eu cantarei para ti a minha mais bela canção!
_ Minhas rosas são brancas; tão brancas quanto a espuma do mar, mais brancas que a neve das montanhas. Procura minha irmã, a que enlaça o velho relógio-de-sol. Talvez te ceda o que desejas.
Então o Rouxinol voou para a roseira, que enlaçava o velho relógio-de-sol.
_ Dá-me uma rosa vermelha – pediu – e eu te cantarei minha canção mais linda.
A roseira sacudiu-se levemente.
_ Minhas rosas são amarelas como as cabelos dourados das donzelas, ainda mais amarelas que o trigo que cobre os campos antes da chegada de quem o vai ceifar. Procura a minha irmã, a que vive sob a janela do Estudante. Talvez ela possa te possa ajudar.
O Rouxinol então, dirigiu o vôo para a roseira que crescia sob a janela do Estudante.
_ Dá-me uma rosa vermelha – pediu - e eu te cantarei a mais linda de minhas canções.
A roseira sacudiu-se levemente.
_ Minhas rosas são vermelhas, tão vermelhas quanto os pés das pombas, mais vermelhas que os grandes leques de coral que oscilam nos abismos profundos do oceano. Contudo, o inverno regelou-me até as veias, a geada queimou-me os botões e a tempestade quebrou-me os galhos. Não darei rosas este ano.
_ Eu só quero uma rosa vermelha, repetiu o Rouxinol, - uma só rosa vermelha. Não haverá meio de obtê-la?
_ Há, respondeu a Roseira, mas é meio tão terrível que não ouso revelar-te.
_ Dize. Não tenho medo.
_ Se queres uma rosa vermelha, explicou a roseira, hás de fazê-la de música, ao luar, tingi-la com o sangue de teu coração. Tens de cantar para mim com o peito junto a um espinho. Cantarás toda a noite para mim e o espinho deve ferir teu coração e teu sangue de vida deve infiltrar-se em minhas veias e tornar-se meu.
_ A morte é um preço exagerado para uma rosa vermelha – exclamou o Rouxinol – e a Vida é preciosa... É tão bom voar, através da mata verde e contemplar o sol em seu esplendor dourado e a lua em seu carro de pérola...O aroma do espinheiro é suave, e suaves são as campânulas ocultas no vale, e as urzes tremulantes na colina. Mas o Amor é melhor que a Vida. E que vale o coração de um pássaro comparado ao coração de um homem?
Abriu as asas pardas para o vôo e ergueu-se no ar. Passou pelo jardim como uma sombra e, como uma sombra, atravessou a alameda.
O Estudante estava deitado na relva, no mesmo ponto em que o deixara, com os lindos olhos inundados de lágrimas.
_ Rejubila-te – gritou-lhe o Rouxinol – Rejubila-te; terás a tua rosa vermelha. Vou fazê-la de música, ao luar. O sangue de meu coração a tingirá. Em conseqüência só te peço que sejas sempre verdadeiro amante, porque o Amor é mais sábio do que a Filosofia; mais poderoso que o poder.. Tem as asas da cor da chama e da cor da chama tem o corpo. Há doçura de mel em seus braços e seu hálito lembra o incenso.
O Estudante ergueu a cabeça e escutou. Nada pode entender, porém, do que dizia o Rouxinol, pois sabia apenas o que está escrito nos livros.
Mas o Carvalho entendeu e ficou melancólico, porque amava muito o pássaro que construíra ninho em seus ramos.
_ Canta-me um derradeiro canto – segredou-lhe – sentir-me-ei tão só depois da tua partida.
Então o Rouxinol cantou para o Carvalho, e sua voz fazia lembrar a água a borbulhar de uma jarra de prata.
Quando o canto finalizou, o Estudante levantou-se, tirando do bolso um caderninho de notas e um lápis.
_ Tem classe, não se pode negar – disse consigo – atravessando a alameda. Mas terá sentimento? Não creio. É igual a maioria dos artistas. Só estilo, sinceridade nenhuma. Incapaz de sacrificar-se por outrem. Só pensa e cantar e bem sabemos quanto a Arte é egoísta. No entanto, é forçoso confessar, possui maravilhosas notas na voz. Que pena não terem significação alguma, nem realizarem nada realmente bom!
Foi para o quarto, deitou-se e, pensando na amada, adormeceu.
Quando a lua refulgia no céu, o Rouxinol voou para a Roseira e apoiou o peito contra o espinho. Cantou a noite inteira e o espinho mais e mais foi se enterrando em seu peito, e o sangue de sua vida lentamente se escoou...
Primeiro descreveu o nascimento do amor no coração de um menino e uma menina; e, no mais alto galho da Roseira, uma flor desabrochou, extraordinária, pétala por pétala, acompanhando um canto e outro canto. Era pálida, a princípio, qual a névoa que esconde o rio, pálida qual os pés da manhã e as asas da alvorada. Como sombra de rosa num espelho de prata, como sombra de rosa em água de lagoa era a rosa que apareceu no mais alto galho da Roseira.
Mas a Roseira pediu ao Rouxinol que se unisse mais ao espinho. – Mais ainda, Rouxinol, - exigiu a Roseira, - senão o dia raia antes que eu acabe a rosa.
O Rouxinol então apertou ainda mais o espinho junto ao peito, e cada vez mais profundo lhe saía o canto porque ele cantava o nascer da paixão na alma do homem e da mulher.
E tênue nuance rosa nacarou as pétalas, igual ao rubor que invade a face do noivo quando beija a noiva nos lábios.
Mas o espinho não lhe alcançava ainda o coração e o coração da flor continuava branco – pois somente o coração de um Rouxinol pode avermelhar o coração de rosa.
_ Mais ainda, Rouxinol, - clamou a Roseira – raiar o dia antes que eu finalize a rosa.
E o Rouxinol, desesperado, calcou-se mais forte no espinho, e o espinho lhe feriu o coração, e uma punhalada de dor o traspassou.
Amarga, amarga lhe foi a angústia e cada vez mais fremente foi o canto, porque ele cantava o amor que a morte aperfeiçoa, o amor que não morre nem no túmulo.
E a rosa maravilhosa tornou-se purpurina como a rosa do céu oriental. Suas pétalas ficaram rubras e, vermelho como um rubi, seu coração.
Mas a voz do Rouxinol se foi enfraquecendo, as pequeninas asas começaram a estremecer e uma névoa cobriu-lhe o olhar, o canto tornou-se débil e ele sentiu qualquer coisa apertar-lhe a garganta.
Então, arrancou do peito o derradeiro grito musical.
Ouviu-o a lua branca, esqueceu-se da Aurora e permaneceu no céu.
A rosa vermelha o ouviu, e trêmula de emoção, abriu-se à aragem fria da manhã. Transportou-o o Eco, à sua caverna purpurina, nos montes, despertando os pastores de seus sonhos. E ele levou-os através dos caniços dos rios e eles transmitiram sua mensagem ao mar.
_ Olha! Olha! Exclamou a Roseira. – A rosa está pronta, agora.
Ao meio dia o Estudante abriu a janela e olhou.
_ Que sorte! – disse – Uma rosa vermelha! Nunca vi rosa igual em toda a minha vida. É tão linda que tem certamente um nome complicado em latim. E curvou-se para colhê-la.
Depois, pondo o chapéu, correu à casa do professor.
_ Disseste que dançarias comigo se eu te trouxesse uma rosa vermelha, - lembrou o Estudante. – Aqui tens a rosa mais linda e vermelha de todo o mundo. Hás de usá-la, hoje a noite, sobre ao coração, e quando dançarmos juntos ela te dirá o quanto te amo.
A moça franziu a testa.
_ Esta rosa não combina com o meu vestido, disse. Ademais, o Capitão da Guarda mandou-me jóias verdadeiras, e jóias, todos sabem, custam muito mais do que flores...
_ És muito ingrata! – exclamou o Estudante, zangado. E atirou a rosa a sarjeta, onde a roda de um carro a esmagou.
_ Sou ingrata? E o senhor não passa de um grosseirão. E, afinal de contas, quem és? Um simples estudante... não acredito que tenhas fivelas de prata, nos sapatos, como as tem o Capitão da Guarda... – e a moça levantou-se e entrou em casa.
_ Que coisa imbecil, o Amor! – Resmungou o estudante, afastando-se. – Nem vale a utilidade da Lógica, porque não prova nada, está sempre prometendo o que não cumpre e fazendo acreditar em mentiras. Nada tem de prático e como neste século o que vale é a prática, volto à Filosofia e vou estudar metafísica.
Retornou ao quarto, tirou da estante um livro empoeirado e pôs-se a ler...
Versão em português: Lázaro Curvêlo Chaves - julho de 2005

quarta-feira, 25 de março de 2009

Relato: Eva

Milhões de anos e ainda somos
A placenta que sangra e não grita, as mães.
Subjulgadas por suas crias e suas noções de sacro.
Quando nos tiraram o pagão
Nos tornamos profanas e definhamos,
Como o que tinha a fruta que oferecemos à Adão.
As crias enfiam as mãos em nossa carne.
Ditam, nos torturam milenarmente.
Nosso órgão mais parece uma ferida aberta
Do que uma maçã.

domingo, 22 de março de 2009

Dele.

só não passará
só não...
sempre a dois
só já não é
só já não sois
só e só....
(Fábio Lopes)

sábado, 21 de março de 2009

Relato: Paradisíaco.

Todos os silêncios... amor, amor... e então, amor. E eu incapaz de descrever com palavras humanas... Agora, meu bem, eu preferiria dizer que grandioso ele É... e também ousaria dizer eterno. Pertenço à você, meu Deus pessoal.
Eu- a mais cética das criaturas- não tive outra palavra senão paradisíaco para dizê-lo. E isso, amado, é o mais perto que posso chegar de ter fé... É assim o sobrenatural?... algo que é tão sublime e ao mesmo tempo tão carne, tão rente, tão palpável que se SABE real, indubitavelmente, inexoravelmente, destemidamente, inexplicavelmente, irracionalmente real. Você me fez SENTIR ter uma alma- e isso foi como morrer.

Você me matou de prazer.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Relato: She Wants Revenge(tradução)

É a primeira vez que escrevo sobre uma banda...assim diretamente.Têm tantas, que gosto... que realmente significam algo para mim. Mas essa em especial tem sido injustiçada pelas traduções disponíveis na rede, então, pensei essa ser uma boa desculpa para colocá-la aqui no meu papel de carne.

O She Wants Revenge(Ela Quer Vingança) é de 2005. Los Angeles. Dois caras Justin Warfied , Adam Bravin... conheci primeiro uma única música, indicada por alguém que sabia que eu gosto de Bauhaus. Me apaixonei. Paixões são assim mesmo... meio irracionais. Sou muito leiga pra falar sobre a musicalidade... mas o que posso dizer é que as coisas se encaixam... e as letras, bem, tem um quê de singelo. Adoro as coisas singelas e belas ao mesmo tempo. Talvez essa afirmação seja um reflexo da paixonite aguda, mas, eu as acho legitimamente poética. Falar mais com menos, ser ao invés de significar.

Aqui, algumas delas...e uma tradução bobinha e literal, mas que faça sentido(ao menos).


WRITTEN IN BLOOD(Escrito em sangue)

Blood red lips(Lábios vermelho-sangue)
Traced with her tongue they shine(traçados com a língua dela, eles brilham)
Cut through a crowded room(cortando através de um salão cheio)
A look could say a lot some times(Um olhar pode dizer muito as vezes)
So I take all my fast attractions(Então junto todos os meus atrativos momentâneos)
And project on you(E projeto em você)
Every disappoint and mistake(Cada decepção e erro)
Summer's heaven from a one night heart break(Um paraíso de verão de uma noite de coração partido)
My head is spinning(Minha cabeça gira)
My hands tremble(Minhas mãos tremem)
But still I force an introduction(Mas ainda forço uma apresentação)
And I ask you to dance(E te convido pra dançar)

You feel like home(Você se sente em casa)
Up against me close(Bem colada em mim)
Though we've just met tonight(Apesar de termos acabado de nos conhecer essa noite)
There so much that we still don't know(Tem tanto que ainda não sabemos)
But I'm feeling something(Mas tenho a impressão)
That we might just work out right(Que dessa vez pode funcionar)
Then again it can all go up in flames(Então, tudo pode se incendiar)
And I'll take you down in the name of love(E eu te ganho em nome do amor)
But for now let's kiss hard(Mas por agora, vamos nos beijar ardentemente)
Fuck the games(Fodam se os jogos)
All or nothing(Tudo ou nada)
It's written in blood(Está escrito em sangue)

[chorus]
On the way to the wedding(À caminho do casamento)
Dressed in black(Vestida de preto)
He said, "Sorry lover but you can't look back"(Ele disse, desculpe amor mas vc não pode voltar atrás)
She says, "Oh no"(Ela diz Oh Não)
She goes, "Oh no"(Ela vai Oh Não)
She goes, "Slow down baby or you're gonna explode"(Ela vai, "devagar querido, senão vc vai explodir)

On the way to the wedding
Dressed in black
He said, "Sorry lover but you can't look back"
She says, "Oh no"
She goes, "Oh no"
She goes, "Slow down baby keep your eyes on the road"(Devagar, querido, mantenha os olhos na estrada)

Soft wet skin(Pele molhada e macia)
Hairs raised(Cabelos bagunçados)
Body tired(Corpo cansado)
And the sheets are across the floor(E as folhas de papel eplo chão)
You tell me that love don't last(Você me diz que o amor não dura)
Drawing circles with your fingernails(Desenhando círculos com suas unhas)
Across my back(Nas minhas costas)
As your lips form the words(Enquanto seus lábios formam as palavras)
That you won't say(Que vc não vai dizer)
In the distance(Ao longe)
Your favorite song plays(Sua música favorita toca)
I turn you over(Eu me viro)
And look in your eyes(E olho em seus olhos)
Promise you that this is forever(Prometa que isso é eterno)
Or till one of us dies(Ou até um de nós morrer)

You taste like tear stains and coulda beens(Você tem o gosto de rastro de lágrima e de"poderia ser")
But I love a good Train Wreck(Mas eu amo um bom train wreck*uma banda de blues ou quando o trem descarrilha)
Your hair balled up inside my fist(Seu cabelo embolado no meu punho)
You tell me don't get too attached like this(Você me diz não fique tão apegado)
It's just entertainment(Isso é apenas divertimento)
Then again it can all go up in flames(então mais uma vez tudo se incendeia)
And I'll take you down in the name of love(E eu vou te ganhar em nome do amor)
Maybe one last kiss(Talvez apenas um último beijo)
Just to ease the pain(Só para atenuar a dor)
All or nothing(Tudo ou nada)
It's written in blood(está escrito em sangue)

[chorus x 2]

On the way to the wedding (oh no) [repeat to fade out – total of 8 times]

TEAR YOU APART(Te despedaçar* pode ser figurado- partir o coração- ou literal)

Got a big plan, this mindset maybe its right(Tem um grande plano, essa atitude talvez esteja certa)
At the right place and right time, maybe tonight(No lugar certo e na hora certa, talvez hoje a noite)
And the whisper or handshake sending a sign(E um sussuro ou aperto de mão mandando um sinal)
Wanna make out and kiss hard, wait nevermind(Quero te pegar e te beijar ardentemente, esperar não importo)
Late night, and passing, mention it flipped her(Tarde da noite, e o tempo passando,isso a inquietava)
Best friend, who knows saying maybe it slipped(melhor amigo, quem sabe talvez dizendo que isso pode mudar)
But the slip turns to terror and a crush to light(Mas a mudança se tornou terror e uma queda assumida)
When she walked in, he throws up, believe its the fright(quando ela chegava ele engolia à seco, acredite era assustador)
Its cute in a way, till you cannot speak(É bonitinho de um jeito que não se pode dizer)
And you leave to have a cigarette, your knees get weak(E você saí pra um cigarro os joelhos fraquejam)
An escape is just a nod and a casual wave(Uma fuga é apenas um aceno com a cabeça ou um tchauzinho ocasional)
Obsessed about it, heavy for the next two days(Totalmente obcecado com isso pelos próximos dois dias)
It's only just a crush, it'll go away(É só uma quedinha e isso vai passar)
It's just like all the others(É só como as outras isso vai passar)it'll go away
Or maybe this is danger and you just don't know(Ou talvez isso é perigoso e vc apenas não sabe)
You pray it all away but it continues to grow(Vc reza pra ir embora e continua crescendo)
I want to hold you close(Quero te segurar firme)
Skin pressed against me tight(A pele apertada contra a minha)
Lie still, and close your eyes girl(Deite quietinha e feche seus olhos garota)
So lovely, it feels so right(Tão adorável, é tão gostoso)
I want to hold you close(Quero segurar apertado)
Soft breasts, beating heart(Seios macios, o coração batendo)
As I whisper in your ear(enquanto eu sussurro em seu ouvido)
I want to f*cking tear you apart(Quero tanto te despedaçar*aqui tem o fuck... intensifica a ação, mas também é "foder")
Then he walked up and told her, thinking that he'd passed(então ele se adiantou e a disse, achando que ia ser aprovado)
And they talked and looked away a lot, doing the dance(E eles se falaram e pensaram no futuro, fazendo a dança)
Her hand brushed up against his, she left it there(As mãos dela se roçaram na dele e ali ela as deixou)
Told him how she felt and then they locked in a stare(Ela disse como ela se sentia e eles ficaram paralizados se encarando)
They took a step back, thought about it, what should they do(Eles se contiveram, pensando sobre isso, o que poderiam fazer)
Cause theres always repercussions when you're dating in school(Porque há sempre repercussão quando se namora na escola)
But their lips met, and reservations started to pass(Mas seus lábios se encontraram e a contenção começou a passar)
Whether this was just an evening or a thing that would last(Não importava se era apenas aquela tarde ou se aquilo iria durar)
Either way he wanted her and this was bad(De qualquer maneira ele a queria e isso era ruim)
He wanted to do things to her it was making him crazy(Ele queria fazer coisas com ela e isso o enlouquecia)
Now a little crush turned into a like(Agora uma quedinha se transformou em um bem-querer)
And now he wants to grab her by the hair and tell her(E agora tudo o que ele queria era agarrá-la pelo cabelo e dizer)

I want to hold you close
Skin pressed against me tight
Lie still, and close your eyes girl
So lovely, it feels so right
I want to hold you closeSoft breasts, beating heart
As I whisper in your ear
I want to f*cking tear you apart

OUT OF CONTROL (Fora de Controle)

With her high heel against the wall (Com seu sapato de salto contra a parede)
Kind of dancing, though not at all (meio que dançando mas não inteiramente)
She had stockings running up to her thighs (ela tinha uma meia-calça correndo até sua cintura)
Snaps her fingers to keep the time (Estralava os dedos pra contar o tempo)
From the back of the room I saw her there (Do fundo da sala eu a vi ali)
I said she wants to be alone and I shouldn't dare (Eu disse ela quer ficar sozinha e eu não devia me atrever)
But then she noticed me glance at her(mas ela me percebeu olhando pra ela)
I had no choice but to dance with her(E não tive escolha senão daçar com ela)
Chorus
The lights, they glow sideways and up and down (As luzes, elas piscam nas laterais, pra cima e pra baixo)
The beat takes you over and spins you round (A batida te domina e te balança)
Our hearts steady-beating, the sweat turns to cold(Nossos corações batem ali)
We're slaves to the DJ and out of control (Somos escravos do DJ e fora de controle)
I watched her feet move, her hips they sway (Eu observeios pés dela se moverem, os seus lábios, eles tremem)
Does a hair flip then starts to say(Balança o cabelo e então começa a dizer)
Oh, my God, it's my favorite song (Oh Meu Deus, é minha música favorita)
I pull her close and she sings along (Eu puxo ela pra perto e ela canta em voz alta)
We can't slow down even if we tried (Não podemos diminuir nem se tentássemos)
If the record keeps spinning so will I (Se o disco continua rodando então eu também vou)
She likes disco and tastes like a tear(Ela gosta de disco e tem gosto de lágrima)
Tells me don't stop dancing and she's pulling me near (Me diz não pare de dançar e me fica me puxando pra perto)
chorus
We've got nowhere to go, we've got nothing to prove (Não temos pra onde ir, não temos nada o que provar)
Instead of dancing alone, I should be dancing with you(Ao invés de dançar sozinho, deveria estar dançando com você)
This song is turning me on, the beat is doing me in (Essa música está me excitando, a batida está acabando comigo)
Or maybe it's only you, but either way, lets begin(Ou talvez é apenas você, mas seja como for, vemos começar)
x3




I DON'T WANNA FALL IN LOVE (Não quero me apaixonar)

I would like to tell you, I would like to say(Gostaria de te contar, gostaria de dizer)
That I knew that this would happen(que eu sabia que isso ia acontecer)
That things would go this way(as coisas seriam assim)
But I cannot deceive you, this was never planned(Mas não posso te enganar, isso nunca foi planejado)
I know that you're the right girl but do you think that I am the right man?(eu sei que você é a garota certa, mas vc acha que sou o homem certo?)

Chorus:
1...2...3...4,5,6,7,
Right face, wrong time, she's sweet(Rosto certo, hora errada, ela é doce)
(But I don't wanna fall in love)(Mas não quero me apaixonar)
Too late, so deep, better run cause(Tarde demais, tão profundo, melhor correr porque
(but I don't wanna fall in love)(Mas não quero me apaixonar)
Can't sleep, can't eat, can't think straight(Não consigo dormir, não consigo comer, não consigo pensar direito)
( I don't wanna)(Eu não quero)

You say it's not a problem,(vc diz que não é um problema)
You say it's meant to be(vc diz que era destinado a ser assim)
But love is not an option, our love is never free(Mas amor não é uma opção, nossa amor nunca é livre*ou de graça)
And things are not so easy, so cold and we've been burned(E as coisas não são tão fáceis, tão frio e temos nos queimado)
I know that I'll have regrets but that's the price of one more lesson learned(Sei que todos temos arrependimentos mas esse é o preço de outra lição aprendida)

Repeat Chorus


US (Nós)


Late last night I was looking through pictures (Bem tarde na noite de ontem estava olhando as fotos)
Flooded with memories I lied on the floor(Inundadas com memórias e eu deitava no chão)
And spread them around me like friends at a party(E as espalhava ao meu redor como amigos em uma festa)
Their faces remind me of all that I've known(Os rostos delas me relembram de tudo que sabíamos)

Chorus:
Still I can't forget all the hush.(Ainda eu não consigo esquecer todos os silêncios)
all the fiction and lies and the tears and the laughs (todas as ficções e mentiras todas as lágrimas e as gargalhadas)
take a walk through the past you and I hand in hand(Repasse o passado você e eu de mãos dadas)
as we looked at this thing called us(enquanto nós olhavamos essa coisa chamada nós)

Late last night I was passing the hallway (Bem tarde na noite de ontem eu estava passando pelo corredor)
reading the letters you'd signed x and o(lendo as cartas que vc assinava abraços e beijos*aqui X lembra ex)
I turned out the lights in and imagined you with me(Eu acendi as luzes e te imaginei comigo)
I tried my hardest to cry but it just wouldn't come(tentei o melhor de mim para chorar mas apenas não viria)

Still I can't forget all the hush who it was(ainda assim não consigo esquecer todos os silêncios quem era)
All the fiction and lies all the tears and the laughs(toda a ficção e mentiras e todas as lágrimas e gargalhadas)
Take a walk through the past(Ande pelo passado)
You and I hand in hand (Você e eu de mãos dadas)
As we look at this thing called us(enquanto olhamos essa coisa chamada nós)
All the hush who it was(Todas os silêncios quem era)
All the fiction and lies all the tears and the laughs(Toda a ficção e mentiras e todas as lágrimas e as risadas)
Take a walk through the past, you and I hand in hand(ande de mãos dadas comigo pelo passado)
As we look at this thing called trust(enquanto olhamos essa coisa que chamamos confiança)

segunda-feira, 16 de março de 2009

Relato: Sofá Vermelho

Meu sofá vermelho está com as laterais todas desfiadas. Deitada da minha cama eu observo as pequenas tiras vermelhas...parece um capim de pano. E sabe, acho que ele está definitivamente em seu lugar. Não via a hora de encontrá-lo assim, de dividí-lo com eles. Ele era tão triste antes dos gatos e ele ficarem juntos. O sofá vermelho é muito mais meu agora.

domingo, 15 de março de 2009

Conto: A Huldra

Não é comum as Huldras nascerem órfãs. Quando as mães copulam com humanos elas nascem sem rabo e com costas normais... as vezes crianças bonitas, as vezes estragadas pela aparência do pai. Mas o casal de antigos artesãos que morava no meio do bosque acordaram atodoardos pelo choro. O homem disse, "não vá até lá, não parece ser uma coisa humana"... mas a mulher, já seca, estava disposta a adotar o que quer que fosse que estivesse pedindo socorro.

Alegando ser algo com alma, trocou a chinela por uma galocha e caminhou na noite sozinha. A lua era alta, a grama era fofa e fazia um barulhinho macio e úmido quando sedia sob a borracha. Os pequenos olhos azuis a fitaram e como acontece sempre, calaram-se os berros. A mulher ficou admirada de não ter aparecido nenhum animal para devorar aquele bebê... mas quando ela levantou a criança contra a luz da lua cheia, ela ainda via a lua, ainda via as estrelas... era grotesco. Então, ela sussurou bem baixinho e com carinho "Com um vestido de fita bem bonito ninguém vai ver, e você vai ser a moça mais linda do mundo". As duas se demoraram um pouco ali na copa do grande e velho carvalho. A mão enrrugadinha fazia festa na pele branca e lisa.

Quando chegaram em casa o homem olhou a coisinha e disse "É horrível... e teremos que cortar esse rabo"... mas nunca o fizeram com medo dela morrer. Ao invés disso, tiveram o cuidado de levantar todos os espelhos da casa, e a medida que a menina ia crescendo eles iam ficando mais e mais altos. Ela nunca vira nenhum dos dois velhos despidos... a mãe lhe dizia que um rabo era a coisa mais vergonhosa de se mostrar e deveria ser mais escondido do que as partes. Todos tinham os seus, dizia, mas ninguém deixava eles a mostra.

Os velhos a davam muito amor, mas a Huldra minguava e minguava. Aquela era a casa dos dois, o cheiro era dos dois, os tijolos sobre tijolos que ela não havia colocado... e se, por vezes, cobria seu quarto com alguma ramagem, com algumas flores silvestre, com alguma pele dos animais que ela caçava e matava com um golpe de sua mãozinha delicada, era o mesmo que cobrir o seu rabinho... debaixo do pano, sempre havia a coçeirinha, a sujeirinha, a coisa dela.

Quando os velhos saiam para a cidade, ela arrancava o seu vestido e corria até o carvalho, as plantas nunca rasgavam a sua pele. Uma das coisas mais lindas de se ver desse mundo é uma Huldra em seu estado primitivo. Os flancos brancos e femininos emuldurando a noite da mata selvagem... entre a alvura dos braços e pernas longas e torneadas, os seios firmes e rosados, os cabelos dourados ou ruivos, em cachos cheios... um grande buraco por onde se continua a ver a mata dançando.

A Huldra rosnava louca, e se aninhava nas árvores, lambia o musgo das rochas e conversava com os pequenos insetos. Por vezes deitava na grama-que fazia cosquinha ao atravessá-la- e olhava a noite, enquanto se acaraciava com a ponta de seu próprio rabo. Seus suspiros eram encantadores por serem ao mesmo tempo lascívos e de profunda inocência.

E então dormia. O sol lambia sua nuca pela manhã... e o trote dos cavalos a fazia correr para dentro da casa... era a hora de se sentir envergonhada por ser apanhada com sangue na boca, ou com pequeninos besouros agarrados em seus cabelos. Mas a mãe era tão gentil e a cuidava sempre. O pai nunca falava com ela, mas jogava alguns presentes em cima da mesa... as peças grandes de carne. Eles estavam já muito fraquinhos e a Huldra sabia que não tinham mais disposição para subir os espelhos, e um dia, eles não voltariam da cidade... então, ela estaria livre de novo.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Driving Home....

E depois, me senti em casa... pela primeira vez. Teve um quê de busca sem buscar, diria que foi mais um encontro... depois de procurar lugar uma vida toda... depois de pensar "talvez seja essa casa, talvez seja aquela, poderia bem ser esta"...chego a uma certeza, você. E pela primeira vez posso dirigir pra casa de verdade, a minha casa.

Não me sinto deslocada, ou roubada de mim mesma, minhas escolhas sendo tangenciadas ou convergidas em opções não muito minhas... me sinto mais que escolhendo, me sinto sabendo... sabendo "é aqui"...também tudo que eu procurava. E eu me sinto nova e viva. Cuido da jardinagem, e vou aos poucos arrancandos as ervas daninhas que cresceram em mim mesma... dentro do meu vazio...exatamente por ele estar vazio.

Agora, com as luvas de jardinagem, pego algumas sementes de amor-perfeito, de melissa, de alecrim e de camomila... já sei o que plantar e também o quero por saber que vou ficar aqui muito tempo e poderei admirar as plantas crescerem. Planto porque é aqui que eu moro agora. A casa que eu sempre sonhei... e achei que nem existia(por ter sido inventada por mim)...
E me sinto confiante porque ,agora, estou dirigindo pra casa.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Presente

E ela montou um cárcere. Se cobriu de sutilezas, atenciosamente preparou os seus cuidados, e também seus pequenos jogos eróticos. Entregou-se abruptamente, seu corpo, suas coisas, suas intimidades. E ele, sem se intimidar, veio sentar-se calmo, dentro de sua cela(que é dela).

Decidiu então, cansada do passado, dar um presente à ele... embrulhou suas palavras-desajeitadas, sôfregas-nas horas que deveriam ser de dormir, sendo certamente a irresponsabilidade do ato bom apelo romântico...e assim, lhe contou sobre como a falta dele, corpo e cheiro, se faz saudade tão rapidamente que chega à comovê-la. Lhe disse que basta fechar os olhos que ela se enche de idéias sobre os dois, e que sabe reconhecer em suas lembranças, cada linha que desenha o rosto dele. Lembrou o seu encarcerado que ele se tornou uma necessidade primeira, uma daquelas que chegam a ser viscerais. E por fim, chamou isso de amor.

Atônita e sonolenta, descobriu que já nem havia distinção entre algoz e encarcerado: ela se percebeu tão dele que até já se esquecera de ser só dela.


Pensando em você dormindo agora:

Do You Dream Of Me?- Tiamat (Wildhoney)

Come down, slowly
I'm waiting by your side
Come down, carefully
I'm waiting by your side

I'll grab you when you fall
Down to the waking hours
Silents sweeps as golden corn
Down to the waking hours

How I wish that I could
Break into your dreams
Do I have the force I need
To break into your dreams

I hold you in my arms
Dimmed by scarlet morning red
I whisper in your ear
Do you dream of me ?

quarta-feira, 4 de março de 2009

Relato: Kiwi - a bruta

Não consigo sentir raiva da Kiwi... ela é tão selvagem, tão primeira, tão minha que não consigo ter raiva dela. Me limito a dizer "Coitadinho do calanguinho, Kiwi" ou simplesmente recolher as penas e plumas de algum passarinho. Só ela mata, só ela caça. Meu gato tem o ar patético de quem se entrega demas... ele é o meu lado mais tenro, o lado que eu mais detesto. O Tenchi também é meu. A Mimi é cega de um olho e é da minha mãe. Ela é uma coisa livre também... as vezes me acorda lambendo a minha bochecha com aquela língua-lixa sujinha dela mesma.

Uma vez acordei com um cheiro de morte no meu quarto. Um cheiro horrível de cadáver, e quando abri os olhos tinha uma ratazana de quase trinta centímetros posta do lado da minha cama.... o corpo separado da cabeça e uma poça de sangue... a primeira vez que a Kiwi matou uma dessas era dia e ela me chamou para ver. Toda orgulhosa. Seu trunfo. Nesse dia, eu dormia e ela deixou ao lado da minha cama... igual uma criança ansiosa pra mostrar o desenho que acabou de fazer.

Já vi a minha Kiwi decapitando vários animais... rolinhas, ratos, camundongos, calangos... ela os pega e os tortura até a morte... e depois os balança entre seus dentes até as cabeças se soltarem. Ela as vezes come insetos, dentre eles baratas, e nós duas dividimos o mesmo lençol. Porém, ela não gosta de encostar em mim(como o Tenchi e a Mimi gostam)... se porventura estico a minha perna e a toco, ela me morde de leve em reprovação.

E com esse jeito bruto ela me diz "amor"...ao me assistir no chuveiro do tapete do banheiro, ao deitar na minha cama, ao ficar com ciúme das minhas visitas... e principalmente ao tolerar meus carinhos...quando eu a pego no colo, ou a acaricio, ou coço a sua barriga.

Mas de algumas coisas ela gosta... os carinhos brutos(como ela) que parecem mais uma briga, gosta de ser escovada, gosta quando eu tiro meu chinelo para ela ficar roçando nele por minutos ininterruptos(ela parece ter uma adoração por determinados seres inanimados, como a bolsa verde da minha melhor amiga). A Kiwi tem mais de nove anos.

A Mimi teve três filhotinhos ontem e eu não consegui dormir... tomada de um ciúme doentio, a Kiwi fica chorando o tempo todo. Já está até rouca agora. Ela chora pra mim, olhando dentro dos meus olhos. A Kiwi é doente de ciúme, espanca os outros gatos sempre que póssível... e está insana. Ontem, quando os filhotes nasceram e eu estava no trabalho ela tentou comer um deles... saiu com ele na boca e fez a minha mãe correr e conseguir agarrá-la pelo rabo.

Hoje cedo ela me enganou, fez que já não se importava. Ficou junto comigo e com os outros gatos e quando ela sumiu, me levantei e fui atrás... quando cheguei ela estava com um deles na boca... saiu em disparada... tentei agarrá-la pelo rabo e ficou um tufo de pêlo em minhas mãos... corremos pela casa toda... ela não saltou para o telhado(apesar de ter pulado um muro)... e finalmente o largou, arrepiada, olhando pra mim e chorando. Não sei porquê ela não levou o gatinho para cima do telhado... talvez quisesse só me mostrar o quanto estava incomodada. Com as pernas ainda bambas, devolvi ele para a Mimi... e senti tanta piedade da Kiwi... eu a entendo. Olhei o estrago que tinha feito no rabo dela e nós duas não falamos mais nada sobre o acontecido. Eu praticamente pedi desculpas e ela fez o mesmo.

Queria poder amar as pessoas brutas como amo a minha gata. Digo à ela todos os dias "você é a minha favorita", no entanto, despreso qualquer demonstração distorcida de amor que venha dos seres humanos mais brutos. Dos seres humanos eu ainda espero sensibilidade.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Depois de te ver...

Ainda enebriada, toda desejo... repetindo pra mim mesma as palavras que foram suas(e agora são minhas)... e sabe a nossa conversa sobre talentos "inalcansáveis"?... me lembrei desse poema do Shakespeare. Nas duas últimas lines ele assina sobre sua grandeza, sabendo-se capaz de imortalizar a sua dama, uma das breves... ele sabe(o cara é foda) que por mais efêmero seja o que os dois têm, sua poesia é eterna. E eu aqui toda boba, sem saber catar as palavras suficientemente boas para te presentear e desejando que os dias- os nossos- sejam comparados aos dias mais longos do ano... e agora?! Tenho um "muso inspirador".


SONNET 18
"Shall I compare thee to a summer's day?"

Shall I compare thee to a summer's day?
Thou art more lovely and more temperate:
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer's lease hath all too short a date:
Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimm'd;
And every fair from fair sometime declines,
By chance, or nature's changing course, untrimm'd;
But thy eternal summer shall not fade,
Nor lose possession of that fair thou owest;
Nor shall Death brag thou wander'st in his shade,
When in eternal lines to time thou growest;
So long as men can breathe, or eyes can see,
So long lives this, and this gives life to thee.
William Shakepeare
(1564 - 1616)

Relato: Lágrima de Suor

Hoje chorei uma lágrima de suor. Ela brotou da minha testa e desceu até meu olho esquerdo...era salgada e ardia. A observei oblíqua, desenhando seu rastrinho de lesma na minha bochecha. Acho que na verdade, cansei de chorar.
Hoje foi um dia atípico. Lavei o chão da cozinha, limpei a gaiola, estraguei meu esmalte. E fiz isso por que eu queria. Pensei que assim talvez eu mantivesse meus fantasmas caladinhos no porão ou os afugentasse com o sabão em pó. Não adiantou.
Olhei me no espelho e a lágrima desceu calada. Nós estávamos caladas. Eu tenho essa coisa de solidão... deve ser síndrome de caçula de seis irmãos. Me olhava e me sentia estranha. As pessoas me conhecem tanto(elas acham), mas nunca me imaginam ali no espelho pinçando com precisão cirúrgica cada um dos fios da minha axila. Ser mulher é abdicar e negar várias coisas... como se o fim justificasse os meios.
Acho que na verdade eu tenho é medo de ser gente. É isso! Medo dessa minha humanidade, desses meus sentimentos exarcebados... de depender emocionalmente dos outros... de ser mais que um objeto à ser olhado. As pessoas me invadem sem tocar com os seus mil dedos tentáculos a minha cerne. Ela fica ali. As pessoas entram e saem da minha vida... e ela fica ali, desconhecida.
Minha irmã disse que eu vivo em uma bolha. Em um universo paralelo feito de introspecção. É que quando saio dele eu me machuco, porque as pessoas esquecem que debaixo da minha carapuça tem um treco mole. Assim, a areia é melhor, é segura, e de dentro dela eu escuto o mar. E também sinto seu cheiro.
Outro dia minha sobrinha entrou no meu quarto e ficou apontando as coisas: "Vovó! Gatinho! Neném", apontou pra mim e disse "Titia"... e eu falei "Nossa, minha bonequinha! Você já fala!" e o sorriso confiante e feliz dela me fez me sentir aterrorizada... eu existo para os outros afinal...e o amor, o amor é o que redime tudo. Esses amores incondicionais.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Enquanto te espero...

A Late Aubade

by Richard Wilbur(b. 1921)

You could be sitting now in a carrel
Turning some liver-spotted page,
Or rising in an elevator-cage
Toward Ladies' Apparel.

You could be planting a raucous bed
Of salvia, in rubber gloves,
Or lunching through a screed of someone's loves
With pitying head.

Or making some unhappy setter
Heel, or listening to a bleak
Lecture on Schoenberg's serial technique.
Isn't this better?

Think of all the time you are not
Wasting, and would not care to waste,
Such things, thank God, not being to your taste.
Think what a lot

Of time, by woman's reckoning,
You've saved, and so may spend on this,
You who had rather lie in bed and kiss
Than anything.

It's almost noon, you say? If so,
Time flies, and I need not rehearse
The rosebuds-theme of centuries of verse.
If you must go,

Wait for a while, then slip downstairs
And bring us up some chilled white wine,
And some blue cheese, and crackers, and some fine
Ruddy-skinned pears.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Hilda Hist: Júbilo, Memória e Noviciado da Paixão

Sempre Hilda Hilst. Sou nuances: há dias que morro, há dias que vivo.


I
É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.

Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora

E sozinha supor
Que se estivesses dentro

Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora

Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto.
Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo.
E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.



X
Se todas as tuas noites fossem minhas

Eu te daria, Dionísio, a cada dia
Uma pequena caixa de palavras
Coisa que me foi dada, sigilosa

E com a dádiva nas mãos tu poderias
Compor incendiado a tua canção
E fazer de mim mesma, melodia.

Se todos os teus dias fossem meus
Eu te daria, Dionísio, a cada noite
O meu tempo lunar, transfigurado e rubro
E agudo se faria o gozo teu.



Curiosidade:

ODE DESCONTÍNUA E REMOTA PARA FLAUTA E OBOÉ. DE ARIANA PARA DIONÍSIO.
Seleção de poemas que deram origem à parceria de Hilda com o músico Zeca Baleiro em CD homônimo.


Relato: A Heall All

A heall all(cura a tudo) seria uma flor apenas. Eu, presa em minha casca, vícios e experiências...seria uma menina apenas--ou talvez uma mulher. Ah! a simbologia dos gestos, cores(roxas de cura) e a necessária ambiguidade das coisas que não vem prontas... isso é então o que me humaniza?
Minha pequena flor floresce alheia ao significado que lhe é dado. Sua inocência, seu nome peculiar e a cor da cura não lhe importam. À minha pequena flor, cabe apenas esticar as suas pétalas, espreguiçar ao acordar e ser, não significar.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Mesmerized by Robert Frost.



Bereft (Desolado)-AAAAABBACCDDDEDE. Único e lindo! Meu favorito.

Where had I heard this wind before (Onde ouvi esse vento antes)
Change like this to a deeper roar? (Mudar assim para um rugido profundo)
What would it take my standing there for, (Para quê serviria eu estar aqui)
Holding open a restive door, (mantendo aberta uma porta hostil)
Looking down hill to a frothy shore? (Olhando morro abaixo para uma beira mar coberta de espuma)
Summer was past and the day was past. (O Verão é passado e o dia é passado)
Somber clouds in the west were massed. (Nuvens sombrias se amontoam no Oeste)
Out on the porch’s sagging floor, (Fora, no chão velho e rangente da varanda)
Leaves got up in a coil and hissed, (Folhas se levantam em espiral e sibilam)
Blindly striking at my knee and missed. (Atacando cegamente os meus joelhos e sumindo)
Something sinister in the tone (Algo sinistro no tom)
Told me my secret my be known: (Me diz que meu segredo deve ser conhecido)
Word I was in the house alone (Palavra, estava eu sozinho em casa)
Somehow must have gotten abroad, (De alguma maneira cheguei ali fora)
Word I was in my life alone, (Palavra, estava eu sozinho em minha vida)
Word I had no one left but God. (Palavra, não me havia restado alguma senão Deus.)


Design (Design)

I found a dimpled spider, fat and white,(Achei uma diminuta aranha, gorda e branca)
On a white heal-all, holding up a moth (em uma heal-all branca*, segurando uma mariposa)
Like a white piece of rigid satin cloth (como uma peça de tecido de cetim rígido)
--Assorted characters of death and blight (Personagens de morte e albinismo escolhidos a dedo)
Mixed ready to begin the morning right, (Misturados prontos para começar a manhã certeira)
Like the ingredients of a witches' broth (como os ingredientes do caldeirão das bruxas)
--A snow-drop spider, a flower like a froth, (uma aranha gota de neve, uma flor como uma espuma)
And dead wings carried like a paper kite.(e asas mortas carregadas como uma pipa de papel)
What had that flower to do with being white, (O levou aquela flor à ser branca)
The wayside blue and innocent heal-all? (Os lados azuis e a inocente heal-all)
What brought the kindred spider to that height,(O que levou uma aranha daquele tipo até aquela altura)
Then steered the white moth thither in the night?( e então,conduziu a mariposa branca para aquela direção na noite?)
What but design of darkness to appall?(O que senão o design da escuridão para empalidecer)
--If design govern in a thing so small. (--Se o design governa em uma coisa tão pequena)

(A heal-all é uma flor roxa que floresce na Europa, Ásia, Japão e nos Estados Unidos, conhecida por suas características de cura)

Stopping By Woods On A Snowy Evening (Parado perto do bosque em uma tarde de neve)

Whose woods these are I think I know. (De quem é esse bosque que eu penso conhecer)
His house is in the village though; (A casa dele, no entanto, é no vilarejo)
He will not see me stopping here (Ele não me verá parado aqui)
To watch his woods fill up with snow. (para ver o bosque dele coberto pela neve)
My little horse must think it queer (meu cavalinho deve achar curioso)
To stop without a farmhouse near (párar sem nenhuma casa de fazenda por perto)
Between the woods and frozen lake (entre o bosque e o lago congelado)
The darkest evening of the year. (na noite mais escura do ano)
He gives his harness bells a shake (Ele dá um balanço em seu guizo)
To ask if there is some mistake. (para perguntar se há algo errado)
The only other sound's the sweep (o único som é o deslizar)
Of easy wind and downy flake. (de um vento leve e os flocos que caem)
The woods are lovely, dark and deep. (o bosque é adorável, escuro e profundo)
But I have promises to keep, (Mas tenho promessas a cumprir)
And miles to go before I sleep, (E milhas a percorrer antes de dormir)
And miles to go before I sleep. (E milhas a percorrer antes de dormir)

The Road Not Taken (A Estrada Não Trilhada) *adaptada da tradução de Renato Suttana

Two roads diverged in a yellow wood, (Duas estradas se divergiram em um bosque de Outono)
And sorry I could not travel both (E eu lamento pois não poderia viajar em ambas)
And be one traveler, long I stood (E como viajante, parei por um longo tempo)
And looked down one as far as I could(E olhei por uma delas o mais longe que pude)
To where it bent in the undergrowth.(até o declive onde ela se dobrava)

Then took the other, as just as fair, (E tomei a outra, parecendo justo)
And having perhaps the better claim, (e tendo talvez o melhor atrativo)
Because it was grassy and wanted wear; (porque era cheia de capim e queria se cobrir)
Though as for that the passing there (Pensei que o passar por ali)
Had worn them really about the same. (Daria no mesmo por qualquer uma delas)

And both that morning equally lay (E nas duas naquela manhã deitavam de maneira igual)
In leaves no step had trodden black. (As folhas que passo algum jamais escureceu)
Oh, I kept the first for another day! (Ó, guardei a primeira delas pra outro dia!)
Yet knowing how way leads on to way, (Ainda sabendo que um caminho gera outro)
I doubted if I should ever come back. (Eu duvidava que voltaria ali um dia)

I shall be telling this with a sigh (Provavelmente direi isso em um suspiro)
Somewhere ages and ages hence: (Em algum lugar anos e anos depois)
Two roads diverged in a wood, and I-- (Duas estradas se divergiram em um bosque, e eu)
I took the one less traveled by, (Eu tomei a menos viajada)
And that has made all the difference. (E isso fez toda a diferença)


Dust of Snow(Pó de Neve)

The way a crow(O jeito que um corvo)
Shook down on me(Jogou em mim)
The dust of snow(O pó de neve)
From a hemlock tree (de uma Cicuta)

Has given my heart(Deu ao meu coração)
A change of mood(uma mudança de humor)
And saved some part(e salvou alguma parte)
Of a day I had rued.(de um dia que eu havia arruinado)

Robert Frost é meu poeta favorito...posso recorrer à "Santa Wikipédia"? http://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_Frost .Acima, meus poemas favoritos com uma tradução precária... não deixem de ler o original.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Mulher ao avesso. Mente e útero violados. Vampirizada, oca, apática e cansada. O célebre quadro de Edvard Munch.
A minha tpm, além do típico inchaço no seio, traz a nítida percepção dessa solidão. Fui mastigada e cuspida. E pior que a promessa de morrer seca é esse estar seca... essas sucetivas tentativas frustradas se transformando no que eu sou. Dessistência. Enjôo.
Por hoje, amar me dá náuseas... esse navegar instável demais para o meu estômago já sensibilizado.
E AINDA ASSIM meu relógio biológico tic-tac-tic-tac, meu útero se preparando pra uma criança que não vai nascer, uma cópula que não acontecerá, uma família que não existe...
É TÃO injusto... porque, porque não há lugar para ilusões em mim agora. Estou exausta.

Sou a viúva que nunca casou.

THE WIDOW'S LAMENT IN SPRINGTIME(O Lamento da Viúva na Primavera)

by: William Carlos Williams (1883-1963)

Sorrow is my own yard (Sofrimento é meu próprio jardim)
where the new grass (Onde a grama nova)
flames as it has flamed (flameja e tem flamejado)
often before but not (assíduamente, mas não)
with the cold fire (com o fogo frio)
that closes round me this year.(que se aproxima de mim esse ano)
Thirtyfive years (trinta e cinco anos)
I lived with my husband. (Eu vivi com o meu marido)
The plumtree is white today (O pé de ameixa está branco hoje)
with masses of flowers. (com toneladas de flores)
Masses of flowers (Toneladas de flores)
load the cherry branches(carregada de galhos com frutos)
and color some bushes (e colorindo alguns arbustos)
yellow and some red (de amarelo e um algum vermelho)
but the grief in my heart (mas o pesar em meu coração)
is stronger than they (é mais forte do que eles)
for though they were my joy(porque eles eram minha alegria)
formerly, today I notice them (somente agora, eu os notei, hoje)
and turned away forgetting.(e dei as costas me esquecendo deles)
Today my son told me (Hoje meu filho me disse)
that in the meadows, (que nona clareira)
at the edge of the heavy woods (na divisa com a mata densa)
in the distance, he saw (ele viu de longe)
trees of white flowers.(árvores de flores brancas)
I feel that I would like (eu sinto que gostaria)
to go there(de ir lá)
and fall into those flowers (e cair dentre essas flores)
and sink into the marsh near them.(e me afundar no brejo perto delas)