Ao leitor, esse ser imaginário com quem por vezes entrelaço os dedos, o cheiro do papel e a percepção que nós também nos tornamos acobreados.Esse pedaço de papel é feito de carne, da minha.
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
Conto: Papel Acobreado
As vozes familiares vindas da sala inumdavam os ouvidos.Doçura de se sentir em casa. E a janela aberta trazendo um pouco de vento. Um pouco de luz.As coisas sobre a escrivaninha emitiam as mesmas sombras de sempre, exceto pelo porta-retrato com a foto da última neta, um presente.Não estava sozinha, mas buscava um isolamento. Um relampejo de malícia lhe correu por sobre os lábios murchos. Só meu o momento, o quero só para mim.O quarto de escrever era um útero, seu e da mãe ao mesmo tempo. Só que sem o cheiro de sangue.Cheirava à ela. Colônia adocicada de moça misturada com o cheiro da velhice. A sua própria.Olhando as unhas pintadas de rosa se estranhava por não reconhecer mais as manchas senis. A pele um relógio. Como o papel dos primeiros contos que se amarelava.Agora ea era uma folha, quase cobre, prestes a rasgar com o movimento de passar as páginas, ainda que suave.Um livro grosso. A mente a relia, evitando ser nostálgica, naquele que era o seu momento particular, e não queria pecar em se sentir melancólica."Cadê a vovó?" ela escuta. Sorri como uma menina marota.A escolha de subir até o quarto de escrever já havia selado a despedida. Ela seria assim, sem adeus, só dela.Nas mãos os escapulário e o medo infantil de ser avisada três dias antes de quando ia morrer.Ainda não sabia sobre o Deus, ainda não fazia idéia de como seria depois, mas ela queria a Hora.Cansaço. Não conseguia escrever. Era o momento da epifâne.E haviam as coisas que tornavam doloroso continuar.Queria poder voltar. Achar um lugar de reconhecer a si mesma em cada objeto ou marca na madeira, um copo de bebida, risco, corte. Os pingos de um cabelo molhado quando ainda era dourado. E ela ainda um pouco selvagem.O gato, o cúmplice. O gato. Sem nome, pois já houveram muitos e a criatividade se foi. Eles também não precisavam ser chamados, eram parte dela.O ronronar se confudia com sua própria voz.Ele dormia na cômoda como sua existência simples permitia...apenas existir. E ter somente pequenos vínculos... mais ser do que sentir, na verdade. Ela, era a parte que sentia.Um gosto lhe sobe a boca e ela começa a derreter. Se torna tudo ali, se torna lembrança.
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