terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Conto: Coyote

Hoje o dia floresceu que nem cactos habituado a ser seco, espinhento e que um dia cisma de dar flor. E eu, então, resolvi pegar o caminho mais comprido e barato até a faculdade de educação. Desprezando todos os conselhos dados por minha mãe, fui distraída olhando as árvores de Outono. Pensando como é boa essa estação com cheiro de meio das coisas em que toda casca de árvore lembra a jabuticabeira da casa de Vó.Tinha uma árvore enorme, e lá no alto davam jabuticabas bem bitelas que eu, quando menina, subia no pé para chupá-las. Fiquei me perguntando porque essa menina quis aparecer hoje e me dar disposição para me exercitar.O prédio da faculdade de educação brota no meio de uma montanha cheia de floresta e grama em volta. Para subir até lá, pego uma escadinha de degraus muito pequenininhos e amontoados que finjo ser uma pirâmide Maia. Isso me distrai de ter que subir até lá no alto.Também fico pensando que na floresta do campus tem lobo mau. O lobo cinza tão bonito e com seu uivo sedutor e primitivo... mas até hoje só tinha encontrado gente. Estudantes iguais a mim... indo e vindo de um prédio para o outro, cortando caminho pela floresta sem ter uma vovó para quem levar uma cesta de gostosuras.Sabe, fico chateada de não ter lobo no Brasil! Só lobo guará, simpático igual cachorro vira-lata, mas que nem tem o pêlo peludo e prateado. É até um bicho bonito, mas tem medo de gente e nem come carne. O lobo mau não! Devora a vovozinha inteira e ainda fica querendo colocar a menina de chapéu vermelho dentro daquele estômago grandão.Queria, ao invés de ver o estacionamento da faculdade de educação, achar a cabana do meio da floresta! O fogão de lenha aceso, esquentando um chá para a neta. Quando era criança, tive uma Vó que morava numa casa no meio da floresta... de verdade. A floresta era um quintal com bananal, abacateiro e até amora! Mas para eu, que era pequena, aquilo ali era um baita de um matagal, com reguinho d’água e tudo! Só que também não tinha lobo! Tinha era um Léo, um cachorro rabugento e marrom que eu amava muito!E eis que no estacionamento vazio de gente(eu estava atrasada para aula), vi um rabo marrom atrás de um carro. Não era rabo de rato, nem de raposa, nem de cavalo. O rabo saltou para trás de dois olhos vivos e uma bocarra assustadora cheia de dentes amarelados.Era um coyote faminto. Ele bufava e chispava de um lado para o outro, fazendo uma dança selvagem. Fiquei hipnotizada! Gordinha desse jeito ia dar um prato farto para aquele bicho ali. Sempre esperei o lobo mal e me aparece logo outro bicho dos estates! Esse mais mexicano do que americano. Marrom vívido e magrelo, com cara de danado. Cão do diabo. Bicho encrespado e encardido. Deu até dó dele.O coyote então pula para cima do carro, me olha bem na cara e dá uma gargalhada cheia de raiva e ao mesmo tempo amor. “Vou te devorar menina! Assim bem cangaceiro, contando as minhas proezas! Te fazendo sentir medo do que sou... a verdade! Nada de ludibriar e inventar! Ou de travestir e seduzir! Eu, coyote, sou pai de tudo que existe! Sou a fome que persiste! A corrida selvagem pelo deserto! O uivo desesperado para a lua! Não sou pomposo, só sou o que sou!”Nessa hora, fiquei até com vergonha! Pensando um pensamento de que os olhos fundos do coyote fuçavam bem a minha cabeça, assim, reclamando dele não ser o lobo. Então gritei: “Eu lá tenho culpa de gostar do que gosto?”. Em um salto atlético o coyote me derruba no chão. Sua baba com cheiro de carniça pinga na minha testa e ele respira como se fosse um dragão prestes a cuspir fogo.A pata dele me lembrou um pouco as dos meus gatos, uma pata pequena e esperta para um bicho tão feroz! Senti um comichão crescendo, frio dentro da barriga, de preguiça de morrer e deixar o meu sofá vermelho assim, sem os gatos nunca terem sentado nele. De deixar minha mãe sem a gente ter viajado juntas para Paris. De deixar minhas sobrinhas antes delas me contarem coisas de namoros. Os meninos das minhas irmãs antes dos bigodinhos crescerem. De deixar minha enteada que nunca ouviu umazinha das minhas histórias. De deixar o neném que nunca cresceu dentro de mim. De deixar o homem sem que ficássemos velhos.Olhei dentro dos olhos do coyote, assim de tão perto dos meus que nós dois estávamos meio vesgos, e vi coisas lindas: índios dançando, fogo, deserto, poeira, lua, rios e um sol.O coyote também estava apaixonado e por isso a gente se encontrou. Ele ama uma índia que veio dar palestra hoje(que é dia do índio)... ele havia sonhado com ela anos e anos. E ela não era índia igual tinha na terra dele. Era índia tupi guarani de cabelos pretos e lisos, de formas mimosas e cheias e a carinha redonda que nem a lua.Toda vez que ele uivava para a lua, uivava pensando nela. Toda vez que ele corria e corria e corria pelo deserto, era tentando alcançar aquela índia lá no alto, disfarçada de lua bem no meio do céu. E foi assim, que um dia, no susto, ele chegou no Brasil. Falava um Português meio ruim mas dava pra gente entender.Aí que a minha sorte foi tão grande, que quando a boca dele já se abria para abocanhar o meu pescoço, a índiazinha tupi guarani começou a cantar. E era uma música tão cheia de chocalhos e falando dos curumins que são como girinos, que o coyote parou o que fazia e resolveu ficar só fantasiando o futuro e os filhos curumins coyotes, correndo no deserto quase mata de Minas Gerais.Entrei no prédio, fui até o banheiro, e com as mãos umedecidas limpei da minha roupa preta as marcas das patas do coyote e também lavei o rosto. Cheguei muito atrasada para a minha aula de Prática de Ensino, mas nem quis justificar. E além do mais, estávamos falando de Krashen e suas teorias, coisa que sempre gosto de ouvir.Hoje a noite, depois que arrumar minha mala para ir morar um pouco com a minha mãe, vou agradecer o Outono pelo encontro! E mais do que tudo, me sentir agradecida por no Brasil só ter bicho pacífico igual a gente mesmo! Viva o lobo-guará e o mico estrela!
John Nieto- Coyote II

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