quarta-feira, 13 de maio de 2009

Mutilação.

Elas foram nascidas um só organismo e perfeito. Xipófagas, em o que seria um eterno abraço...poderiam ter sido até os quarenta a principal atração do circo de bizarrices, junto da mulher mais gorda do mundo e dos anões com seus dedinhos demasiadamente curtos.

Mas com a ciência moderna, foi possível dessarranjar aquele corpo único e transformá-lo em dois. Os corações batendo descompassados após o bisturi romper o último dos fios que as ligavam... uma fina artéria que comunicava aqueles dois músculos. Poderia ser pior, elas poderiam ser o homem elefante, sonhando viver como gente, animal e não animal ao mesmo tempo, se ao invés de dividirem o fígado dividissem o hipotalo.

Uma delas no entanto tinha uma perna diminuta e aleijada, mal tocava o chão. Parecia uma tromba mumificada.

A medida que elas foram crescendo, talvez um pouco mais amarelada que as outras crianças. A aleijada olhava diaramente as três pernas sadias e lamentava, como não fazê-lo, a sua condição...antes não as tivessem separado e ela teria por direito o resto do seu corpo. E elas seriam ambas monstrinhas, e a solidão seria mais tênue.
Como compensação natural da desventura, ela era terrível, ela era seu próprio demérito e da sua boca saiam vespas que combinavam perfeitamente com o seu membro disforme. Quando somos machucados, os humanos, aberrações ou não, tendemos à ferir os demais, como se assim pudéssemos descontar o nosso mal. Nenhuma compaixão e caridade é suficiente, queremos a dor igual à nossa, nossa, essa dor imcompreensível por natureza, violando o santuário das pessoas saudáveis que nos cercam e tentam ser simpáticas. Desta maneira também adoecemos a alma. O ser humano definitivamente é um animal triste.

No aniversário, ela se maquiou e colocou um vestido branco e leve. O cotoco da perna como um fantasma projetando sob o tecido enquanto a irmã dançava e ria com os rapazes... ria com todos os seus dentes, com todas as suas pernas saudáveis.

O rímel escorre na trilha das lágrimas, sôfregamente, ela se levanta, e salta como um coelhinho até a sala. Todos desviam os olhares de seu jeito trôpego de caminhar...apoiando-se nas paredes e nas grades adaptadas. Sua irmã, os dentes e a boca abertas em um sorriso que ainda não havia morrido, surpreendida pela rapidez daquele corpo nefasto e desaliando, não consegue mudar-se para o luto. É muito tarde. A aleijada diz: "-Eu deveria ter morrido e apodrecido enquanto você fingia ser uma só."

2 comentários:

  1. Muito bom.
    É o tipo de temática que me agrada.
    Você está escrevendo cada dia melhor, muito bom mesmo.



    Ass:Rafael Franco

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  2. Tão revelador,
    tanto o texto quato à fotografia.

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