domingo, 15 de março de 2009

Conto: A Huldra

Não é comum as Huldras nascerem órfãs. Quando as mães copulam com humanos elas nascem sem rabo e com costas normais... as vezes crianças bonitas, as vezes estragadas pela aparência do pai. Mas o casal de antigos artesãos que morava no meio do bosque acordaram atodoardos pelo choro. O homem disse, "não vá até lá, não parece ser uma coisa humana"... mas a mulher, já seca, estava disposta a adotar o que quer que fosse que estivesse pedindo socorro.

Alegando ser algo com alma, trocou a chinela por uma galocha e caminhou na noite sozinha. A lua era alta, a grama era fofa e fazia um barulhinho macio e úmido quando sedia sob a borracha. Os pequenos olhos azuis a fitaram e como acontece sempre, calaram-se os berros. A mulher ficou admirada de não ter aparecido nenhum animal para devorar aquele bebê... mas quando ela levantou a criança contra a luz da lua cheia, ela ainda via a lua, ainda via as estrelas... era grotesco. Então, ela sussurou bem baixinho e com carinho "Com um vestido de fita bem bonito ninguém vai ver, e você vai ser a moça mais linda do mundo". As duas se demoraram um pouco ali na copa do grande e velho carvalho. A mão enrrugadinha fazia festa na pele branca e lisa.

Quando chegaram em casa o homem olhou a coisinha e disse "É horrível... e teremos que cortar esse rabo"... mas nunca o fizeram com medo dela morrer. Ao invés disso, tiveram o cuidado de levantar todos os espelhos da casa, e a medida que a menina ia crescendo eles iam ficando mais e mais altos. Ela nunca vira nenhum dos dois velhos despidos... a mãe lhe dizia que um rabo era a coisa mais vergonhosa de se mostrar e deveria ser mais escondido do que as partes. Todos tinham os seus, dizia, mas ninguém deixava eles a mostra.

Os velhos a davam muito amor, mas a Huldra minguava e minguava. Aquela era a casa dos dois, o cheiro era dos dois, os tijolos sobre tijolos que ela não havia colocado... e se, por vezes, cobria seu quarto com alguma ramagem, com algumas flores silvestre, com alguma pele dos animais que ela caçava e matava com um golpe de sua mãozinha delicada, era o mesmo que cobrir o seu rabinho... debaixo do pano, sempre havia a coçeirinha, a sujeirinha, a coisa dela.

Quando os velhos saiam para a cidade, ela arrancava o seu vestido e corria até o carvalho, as plantas nunca rasgavam a sua pele. Uma das coisas mais lindas de se ver desse mundo é uma Huldra em seu estado primitivo. Os flancos brancos e femininos emuldurando a noite da mata selvagem... entre a alvura dos braços e pernas longas e torneadas, os seios firmes e rosados, os cabelos dourados ou ruivos, em cachos cheios... um grande buraco por onde se continua a ver a mata dançando.

A Huldra rosnava louca, e se aninhava nas árvores, lambia o musgo das rochas e conversava com os pequenos insetos. Por vezes deitava na grama-que fazia cosquinha ao atravessá-la- e olhava a noite, enquanto se acaraciava com a ponta de seu próprio rabo. Seus suspiros eram encantadores por serem ao mesmo tempo lascívos e de profunda inocência.

E então dormia. O sol lambia sua nuca pela manhã... e o trote dos cavalos a fazia correr para dentro da casa... era a hora de se sentir envergonhada por ser apanhada com sangue na boca, ou com pequeninos besouros agarrados em seus cabelos. Mas a mãe era tão gentil e a cuidava sempre. O pai nunca falava com ela, mas jogava alguns presentes em cima da mesa... as peças grandes de carne. Eles estavam já muito fraquinhos e a Huldra sabia que não tinham mais disposição para subir os espelhos, e um dia, eles não voltariam da cidade... então, ela estaria livre de novo.

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