sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Housewife Project 4

E um belo dia, a garotinha que morria de medo de panela de pressão aprendeu a cozinhar feijão e fazer uma receita maravilhosa com o monstrinho apitante.
Me sinto muito mais mulher depois de ter conseguido superar esses medos. Hoje já consigo remontar um guarda-roupa e cozinhar satisfatoriamente bem(ainda que continue não me sentindo bem na cozinha). 
Essa receita foi um presente do meu amado companheiro que sabe fazer as receitas mais gostosas do mundo e a panqueca mais redondinha, bonitinha e perfumada que existe!
Para amenizar a saudade, resolvi concretizar a minha vitória sobre a panela de pressão tentando sozinha fazer essa receita! E não é que funcionou!
Agora vou dividí-la com vocês que seguram as minhas mãos e caminham comigo no meu papel feito de mim:

RECEITINHA MÁGICA DE MACARRÃO DE PANELA DE PRESSÃO *-*


Você precisará de:

*creme de leite(calórico mas indispensável)
*algumas(3 a 4) fatias finas de mussarela(igualmente calórico mas parte do charme)
*1 lata de atum(o defumado é o melhor)
*1 tomate picado em cubos, pode ser com casca e semente(opcional mas fica bem mais gostoso com ele)
*1 pitada de pimenta calabresa(também dá pra sobreviver sem ela)
*1 cebola grande inteira picada em cubos
*de 250 à 300 gramas de macarrão tipo penne ou parafuso(tamanho médio), mais ou menos meio pacote.
*1 molho de tomate refogado pronto

Modo de preparo:

Na própria panela de pressão, refogue a cebola e os temperos junto com o atum, adicione o tomate e o molho de tomate, quando a mistura estiver fervendo, adicione água o suficiente para cobrir o macarrão. Feche a panela e conte 4 minutos. O sucesso da receita depende de você respeitar esse tempo!!! Após os quatro minutos, despressurize na marra a panela de pressão. O método mais recomendável é colocá-la(com cuidado!) debaixo de uma torneira aberta e com o auxílio de um garfo ou colher, levantar o pininho da panela se mantendo longe do vapor quente que sairá dela.
Coloque o macarrão já lindamente cozido e delicioso, umidecido pelo molho e em um ponto de cozimento somente possível com esse método de preparo!, em uma travessa(se não quiser sujar nada além da panela de pressão e os pratos e garfos, pode fazer isso nela mesma!) e adicione o creme de leite e as fatias de mussarela rasgadas em tirinhas com as mãos e misture tudo. Prontinho!!!

Rende 4 porções pra gente normal(absurdamente gulosos, claro, comerão bem mais)

Fica pronto em uns 15 minutos no máximo!(Se você for lerd@ na hora de picar as coisas em cubinhos). (Parte que acho mais linda!Juntamente com o fato de que é possível sujar o mínimo de vasilhas!)



Com o mesmo processo é possível fazer uma versão simplificada e bem saborosa...se quiser essa receita bem leve, é só trocar os ingredientes por produtos light e eliminar o creme de leite. Já fiz das duas maneiras e deu igualmente certo!


Abaixo os ingredientes da receita simplificada:

Ingredientes essenciais e os preços(em média):
R$ 2,00
R$ 0,30
RS 1,50
R$ 2,00
R$ 4,00

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Essência

Camilla Raem me presentou com essa tirinha que sintetiza toda a minha essência:

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Dia do quê?

Tenho preguiça desse tal de "dia disso, dia daquilo" mas preciso dizer algo sobre o "dia do gordinho". Essa violência de criar padrões absurdos para a beleza estética feminina não foi inventada por mim, nem por você. Pense nisso quando uma chapinha estiver queimando os seus cabelos, pense nisso quando estiver calculando as calorias do seu almoço.
Tudo já teve o seu tempo. Já foi a época da mulher bonita ser a rechonchuda, com a pele marcada e pneuzinhos, nua, na mata, a ninfa. Já foi a época em que a Marylin Monroe cantava sensualmente um parabéns ao queridinho da América.  Paramos na Twiggy e sua magreza anoréxica e, pra tornar o padrão mais absurdo, socamos próteses de silicone de tamanhos indizíveis. Inventamos a labioplastia, inventamos o Adonis e a Vênus do bisturi.
A gostosa que fazem os homens babarem como macacos no cio foi photoshopada ou chuchada como um leitão na cirurgia de lipoaspiração. Acabaram-se as mulheres reais. Acabaram-se as diferenças. Todas as meninas querem ser iguais: magras, shortinhos curtos e cabelos lisos. Você já olhou as adolescentes de hoje?! Não dá pra distinguir quem é a nerd, quem é a sapatão, quem é a gostosinha da turma, quem é a tímida... não se cultivam mais cachinhos na cabeça e liberdade no pé.
A mesma sociedade que tira o cigarro da boca do fumante, é a que cria superbactérias entupindo os animais de corte de remédios, os morangos de pesticidas, os saltos cada vez mais altos e os peitos cada vez menos caídos. Não se deixe enganar pelo que está em vogue com a alegação de ser o politicamente correto. É tudo estética. Tudo consumo.
Se você acha o gordo bonito, ótimo, se não, problema seu. Eu acho. EU ME ACHO. E tenho o direito de ser assim, sem blá blá blá de obesidade...
Minha mensagem é: o corpo é SEU, o padrão de beleza é SEU.
Uma careta pra quem discorda:

sábado, 1 de setembro de 2012

Esquisita

Imagine um poço, imagine você no fundo desse poço gritando por ajuda, imagine todos os que você ama dizendo: "sinto muito, mas não há nada que eu possa fazer"...até que alguém estende a mão, só que essa mão ainda está longe, ainda há um muro viscoso e tortuosamente longo pra se escalar, então você quebra todas as suas unhas, sangra e consegue chegar até a mão, e dali pra frente você consegue sair do escuro poço.
Foi o que aconteceu comigo. Ao final da escalada eu me senti emocionalmente exausta...mas sabia que tinha conseguido. E quando cheguei naquela mão encontrei outras, e outras e outras e aos poucos fui me livrando dos panos molhados e em decomposição, do cheiro enjoativo da água fria, dos sujos grudados em meu rosto, braços e pés. Minha pele foi desenrrugando e eu começei a deixar de sentir frio e fome.
No entanto, uma das pessoas que me negou ajuda, talvez por conforto, talvez por medo, talvez por seus motivos que não havia dito, achou que já era hora que eu a tirasse do seu próprio poço, e dividisse com ela tudo o que eu havia conseguido... Ainda que tenha clamado, literalmente, em lágrimas, que ela me ajudasse assim como outras pessoas que passaram por mim quando eu estava lá no fundo, ainda que ela soubesse que eu ainda estava sendo ajudada e que não estava em condições, assim como ela não estava quando era eu quem clamava por socorro.
Me senti pisoteada. Mas sabia que como eu, aquela mulher só queria o mesmo que eu quando ainda estava na água: se libertar. E então, eu me calei, a minha boca se calou, porque meu corpo dizia que estava tudo errado, eu fiquei doente e mal-humorada. Como refúgio, tinha um cúmplice dos meus sentimentos, e esse cúmplice sabia que aquilo, assim como eu mesma sabia, era algo de momento, algo que não valia a pena... que era melhor deixar passar...e depois conversar sobre porque amava muito aquela pessoa, e porque não dizemos a verdade o tempo todo. E nos surpreenderíamos ao ver, desprovido de filtros, o que acham de nós os nossos inimigos, os nossos amantes, as nossas crias... mas esse filtro é necessário. Quando ele não existe as pessoas se tornam crúies por demais e são fadadas à solidão. Simplesmente porque se aproximamos de alguém demais, conhecemos todos os seus defeitos...os mais íntimos, mas escolhemos permanecer junto delas... as vezes por suas qualidade e as vezes exatamente por seus defeitos.
Mas essa pessoa, que se dizia tão próxima, que se dizia tão moral, resolveu observar meu cúmplice e eu e os nossos abraços e resolveu que iria ler as nossas cartas quando as viu repousadas sobre a mesa. E assim ela descobriu o que eu realmente pensava sobre aquele momento e me transformou em um monstro em sua fantasiosa distorção da realidade.
Se ela cruzou essa linha, jamais deveria ter confiado em mim. Porque a vida é feita de "mentiras maravilhosas" e não pode ser difererente disso... é melhor que as pessoas se abrassem no escuro e mintam dizendo "eu te amo!" "vai ficar tudo bem!" do que vociferem que é inútil lutar contra o frio, que todos vamos morrer, que aquilo é uma babaquice.
Acho que é se humanizar. Saber que os nossos defeitos existem e causam dores nos outros. Saber que somos cruéis as vezes mas que pesamos o que realmente importa... e que escolhemos.
Há um motivo para se esconder as coisas, há um motivo para decidir o que falamos ou não... mas se em algum momento você acha que o que é falado é inferior ao que as pessoas omitem em te dizer, você certamente não deve procurar saber...você já está questionando o julgamento daquela pessoa, o que ela quer que você saiba o que quer que não. Você está junto da pessoa errada pra você ou é você que é paranóico e vê erros fatais em todas as pessoas.
Se você desconfia de mim, eu não sirvo pra você, se eu desconfio de você, você não serve pra mim. Escutei essa frase em voz alta hoje, e as peças do quebra cabeça se encaixaram... eu estava errada afinal, mas não tanto! Ela devia ter partido há muito tempo, antes de abrir as cartas, antes do primeiro "sinal" de desconfiança... porque em momento nenhum eu deixei de amá-la ou de ser espontânea em relação ao que sentia por ela, ainda que eu estivesse muito magoada e irritada. Ela foi quem cruzou a linha, ela foi moralmente errada, ela já havia deixado de me amar há muito tempo, talvez, antes dessas incertezas culminarem nesse último ato, extremo, patético e dilacerante.
Não irei me responsabilizar pelo que os olhos dela leram porque era para ser segredo.Porque eu havia reservado coisas melhores para ela, porque eu havia dito e feito o melhor que eu conseguia naquele momento. E tenho certeza, assim como sei que eu ainda a amava quando ela me confidenciou o que fez, que ela iria abandonar à todos que a amam e são amados se fizesse o mesmo com eles, uma vez que ela não pode tolerar as minhas linhas que eram sobre aquele momento, não sobre os oito anos.
E, sinceramente, espero que ela se arrependa amargamente.



domingo, 19 de agosto de 2012

Housewife Project 3

Eu gosto da chuva. Ela lava tudo. Ela leva tudo. Inclusive as sujeiras alheias que emporcalham as ruas mais bonitas da cidade onde eu estou morando. Os passarinhos parecem cantar mais quando ela pára, as vezes tem arco-íris, as plantas ficam mais verdinhas e sobe às narinas um cheirinho bom, cheiro de chuva e se por ventura cruza o meu caminho algum cãozinho com o pêlo molhado, eu me lembro de quando era criança, eu me lembro de como é bom brincar na chuva, ou dormir preguiçosamente no sofá como fazem os meus gatos.
Eu geralmente gosto da chuva, mas hoje não. Hoje ela se precipitou sobre os meus planos me deixando ainda mais vazia do que estava ontem. Eu tenho andado vazia, vazia de prazer nas coisas, me arrasto daqui até ali e tento parecer normal, mas é como se vivesse uma vida inteiramente artificial com alguém me falando: aqui você deve sorrir, aqui você deve agradecer, aqui você deve se alterar...
Me senti tão perdida que vim caminhando rumo aos meus dois compromissos desfeitos. Os Leões Chineses que iriam desfilar não saíram, ou se saíram, eu não os vi. Mas esse desencontro foi um encontro, porque é ainda mais melancólico averiguar que o mundo interio floresce em um crescente de coisas belas e imagens boas enquanto você deseja somente o mórbido, a morte, a inexistência e a escuridão.
É como um poema que eu conheço:


           THE WIDOW'S LAMENT IN SPRINGTIME(O Lamento da Viúva na Primavera)
            by: William Carlos Williams (1883-1963)
      ORROW is my own yard (Sofrimento é o meu próprio jardim)
      where the new grass(onde a grama nova)
      flames as it has flamed(flameja como flamejava)
      often before but not(habitualmente antes mas não)
      with the cold fire(com esse fogo gélido)
      that closes round me this year.(que se fecha sobre mim esse ano)
      Thirtyfive years(trinta e cinco anos)
      I lived with my husband.(eu vivi com o meu marido.)
      The plumtree is white today(O pé de ameixa está branco hoje)
      with masses of flowers.(com toneladas de flores)
      Masses of flowers(toneladas de flores)
      load the cherry branches(os galhos de cereja carregados)
      and color some bushes(e alguns arbustos coloridos)
      yellow and some red(amarelo e algum vermelho)
      but the grief in my heart(mas a dor em meu coração)
      is stronger than they(é maior do que eles)
      for though they were my joy(embora eles terem sido minha alegria)
      formerly, today I notice them(a princípio, hoje eu os notei)
      and turned away forgetting.(e me afastei-me esquecendo)
      Today my son told me(Hoje meu filho me disse)
      that in the meadows,(que nos prados)
      at the edge of the heavy woods(onde começa a mata densa)
      in the distance, he saw(ao longe, ele notou)
      trees of white flowers.(árvores com flores brancas)
      I feel that I would like(Eu sinto que eu gostaria)
      to go there(de ir até lá)
      and fall into those flowers(e cair nessas flores)
      and sink into the marsh near them. (e afundar-me no charco próximo à elas)
       

Gostaria de mergulhar no cheiro de terra fresca, sentir a maciez viscosa dos grãos empapados cobrirem as minhas pupilas em uma ocasião solene e silenciosa. Tenho usado muitas medicações paliativas. Mas é difícil segurar firme em algo quando esse algo é tão abstrato quanto uma névoa, quanto palavras à cerca do futuro... e assim vou tecendo uma teia de ilusões, eu uma aranha velha e estéril. Já sei que minha teia não trará alimento. Não prenderá nada, nem a eu mesma.
Sou uma dona de casa atípica: enquanto lido com a frustração do sol não ter saído para que eu pudesse lavar os meus lençóis e cobertores, mastigo junto a queda abismal de algumas das minhas ilusões... Eu não estava certa em momento algum, mas eu errei por confiar demais não por ser desleal. Eu, no entanto, fui invadida e abandonada. Agora, estou fadada à esconder melhor meus esqueletos no armário.
Também pensava que ao mudar da casa dos meus pais eliminaria algumas das minhas dores, mas descobri que elas se mudaram comigo, e não há percepção mais assustadora do que essa. Esse tempo todo dizendo: "Porque quando eu me mudar, não terei que passar mais por isso, e sofrerei menos"...é como um filme de terror, como se uma mulher parisse um feto monstruoso e doente em todos os sentidos, ainda ensanguentada, fraca e enlouquecida o lançasse para à morte e  no momento seguinte o ter agarrado ao seu seio alimentando-se de seus fluidos e de sua alma.
A chuva parou mas o céu ainda está coberto de nuvens cinzas. Eu apoio o meu garda-chuva no chão e o uso como uma bengala. Estou cansada. Estou exausta. E tenho medo.


       

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Borboleta da Couve

 Uma senhora arrancava pacientemente as lagartas pequeninas que devoravam as couves da sua horta: uma por uma. Fazia isso com a destreza com a qual se costura ou se cata feijão.

Um homem ao passar perguntou-lhe, assim com uma certa intromissão, se ela não gostava de borboletas. 

A velha, sem que se distraísse da sua tarefa, respondeu que as achava belas.

O homem, aparentemente satisfeito com a resposta, disse-lhe de maneira arrogante que se ela gostava de borboletas, então que deixasse as lagartas se desenvolverem.

A senhora, respondeu-lhe doce e calmamente que infelizmente as borboletas não sabiam plantar.

E assim partiu o homem, achando a senhora muito mesquinha e egoísta, até o dia em que ele próprio decidiu plantar um jardim.


sábado, 5 de maio de 2012

Housewife Project

É uma surpresa e tanto nos descobrir fazendo as coisas por amor.
Hoje eu tomei uma xícara a menos de café do que deveria e agora o pó perfumado decanta na água fria da garrafa térmica que inultimente o sustentou morno o dia quase todo... eu também tenho meus dias de garrafa térmica.
Mas as perspectivas mudam quando as coisas são feitas por amor. O feto que ainda não cresceu em minha barriga e o meu futuro marido, meu já companheiro, podem até não estar presentes nessa batalha íntima de me tornar adulta em um curto período de tempo, podem não estar aqui para massagear as minhas costas ou verem minhas unhas sujas de bombril e os dedos enrugados como peixinhos branquelos...mas saberão do meu amor nas panelas limpinhas e no perfume de limpeza do chão...
Respirei fundo e enfrentei medos que não tinha sentido necessidade de enfrentar só por mim... medo de panela de pressão explodir, medo de não conseguir pagar as contas, medo de ficar velha demais para aprender tanta coisa.
Meu feijão não cozinhou direito e ficou com gosto de alumínio da panela nova, mas por fim, esteva satisfatório, e agora está tudo limpo e calmo, meu dedo cortado, mas um incenso deixa um cheiro bom onde estou e o rio do lado de fora corre alheio a tudo que se passa dentro de mim.
Ele corre literalmente. O som da água tem me acalentado a noite. É difícil saber se está chovendo ou não por causa do som, mas um dia serei capaz de distinguir o som do rio e o som da chuva.
 Enquanto vou crescendo a minha Lucy vai esperando por mim, ingênua como o rio, e o meu homem vai me cuidando mesmo quando a tarefa parece difícil, difícil como acertar o tempero... as vezes sai salgado demais, as vezes de menos...




segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Paradisíaco 2

Paradisíaco. Não é um lugar. Não é alguém. Porque morremos sozinhos, cercados de pessoas ou agonizando mudos com a boca entreaberta envoltos somente pelos lençóis suados. Também é assim o gozo. Agônico e solitário.
Enquanto te assistia dormir tão serenamente, a mão agarrando um dos meus seios, senti um prazer inteiramente novo. Inteiramente meu.
Tamanha era a intensidade dele que no seu desfalecer, meu amor, você me permitiu vislumbrar o meu próprio paraíso.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Terra

Você me disse que eu não sou da terra por não gostar de um fruto da terra. Mas eu sou toda musgo e barro e estava adormecida.
Porque há mulheres filhas de Eva e mulheres filhas de Lilith.
A noite é quem me rege e eu rasgaria com meus dentes o tecido que cobre o céu tamanha é a força do meu ventre. Não há diferenças entre as outras feras e eu. Nós corremos pelos campos a noites e não há nudez. Só corpo. Somos as fêmeas. As caçadoras, as ferozes.
As mulheres filhas de Eva são amaldiçoadas. Fracas. Miúdas. Tem nojo de suas partes. São nada mais que fantoches.
As mulheres filhas de Lilith são reconhecíveis pelo seu perfume e altivez. Somos perigosas. Nosso sorriso é por demais largo e enlouquecido como o de tudo que é verdadeiramente livre.
Nossa vulva é uma orquidêa perfumada com tons adocicados e primitivos, é quente, lasciva e macia e nosso toque é restrito ao nosso homem e as nossas crias. E o homem que nos tem é o mais forte, um homem sem medo, que seria capaz de dormir com um tigre. É o homem que tem uma mulher completa, não só uma costela.

Estátua babilônica em terracota atribuída a Lilith de 1.500-2000a.C

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Marianices

A Catedral
              
Alphonsus de Guimaraens

Entre brumas ao longe surge a aurora,
O hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu risonho
Toda branca de sol.

E o sino canta em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

O astro glorioso segue a eterna estrada.
Uma áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a benção de Jesus.

E o sino clama em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

Por entre lírios e lilases desce
A tarde esquiva: amargurada prece
Poe-se a luz a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu tristonho
Toda branca de luar.

E o sino chora em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

O céu e todo trevas: o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
Vem acoitar o rosto meu.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Afunda-se no caos do céu medonho
Como um astro que já morreu.

E o sino chora em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"






Quando cheguei, encontrei tudo arrumado, esperando por mim. Encontrei o amor e a compreensão que desejava encontrar mas me senti um pouco incômoda. Como se eu ocupasse espaço demais. Então eu quis chorar. Mas aguentei. E foi bom. E será bom. Tentarei ser útil para fazer valer o meu enorme corpo, e o meu cheiro, e os meus hábitos, porque me sinto como se eu fosse um bebê gigante e temporão que mudasse a dinâmica dessa família. Um pouco de verdade, um pouco de exagero.

Mas esse tempo, esse tempo de silêncio, de contenção, é o que preciso para libertar todo o meu amor que sinto por eles. Para começar minha vida adulta perto da minha "irmãe". E que eu consiga isso. Já estou conseguindo sorrisos e gentilezas de pessoas desconhecidas, como se a cidade que estivesse vestindo esses rostos para dizer que eu pertenço aqui.

No entanto minha verdadeira casa é o Fábio. E tudo depende dele. De nós. Já sabia isso quando escrevi Driving Home. E queria que fosse aqui, nessa cidade.


As ruelas e as casas tem um cheiro úmido e familiar: terra, musgo e pedra. É como se agora eu morasse em um jardim. Gosto de andar bem devagar. O céu azul minha enorme sombrinha e por vezes me vejo surpreendida por praças, flores e pássaros. 


Ao passar em frente ao presídio local, bem no meio da cidade, ouvi os presos rezando em cântico. Era uma música emocionada, profunda e muito triste. Olhei pra cima e vi uma igreja. E notei que em quase os pontos da cidade as torres das Igrejas se erguem aos céus. Somos velados por elas. A intransponível pedra de Pedro. Ashes to ashes, dust to dust. 


Por fim, chego ao meu destino. O coveiro, negro e forte, estava sentado junto ao muro, assim, como faria um corvo. Estava quente e eu estava suada e vermelha. Ele parecia indiferente ao sol ou estava sob uma sombra que eu não via. "Oi! Está aberto?"- eu disse, e ele me respondeu com uma voz muito amigável que sim! Então eu perguntei: "O Alphonsus ainda está aí?" Ele riu e disse "Por enquanto está!".


Um homem idoso e mal trapilho entra logo atrás de mim. Senti um pouco de medo. Medo do homem e do coveiro. Os mortos não me incomodaram. Alguns túmulos estavam desarrumados, um grande Jesus escurecido pelas chuvas chorava fezes de pombos. E lá estava o Alphonsus. A inscrição dizia "A minha alma é uma cruz enterrada ao céu."


Fotografo a lápide com um sorriso irônico  "Pobre Alphonsus, pobre alphonsus!".









 

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Lucy e seu problema de amnésia.

     Ontem depois de muita chuva, foi o segundo dia de estio. A grama e os musgos foram pintados de verde e o chão finalmente se livrou dos pequenos rios e lagoas de poça.
     Levei a Lucy até o ponto do nosso primeiro encontro. Era uma caminhada bem longa. Passei muito protetor solar e bebemos água antes de depois da caminhada.A Lucy gosta de deitar sua barriguinha branca na água para se refrescar. Ela se parece mais um crocodilo ou um dragão chinês do que um cachorrinho as vezes.
    Me lembrei de quando eu a via lá embaixo pela janela do segundo andar. Ela ficava um tempinho esperando lá na rua e depois sumia no meio do mato ou andando por aí atrás de comida. Em outra janela desse mesmo andar eu via flores roxas, hoje vejo as paredes nua de um prédio em construção.
    Um dia tinha uma dona sentada lá na bancadinha do jardim. E de onde eu estava eu vi a Lucy, que ainda não tinha um nome dado por mim, tentando se aproximar, pedindo carinho. A dona a tocava como se ela fosse um animal muito nojento e como se pedisse algo impossível. Aquilo partiu meu coração.
    Já faz mais de um ano que tenho ela aqui comigo. Ela parece nunca ter sido de outra pessoa. Se a levo a algum lugar ela espera a minha permissão para entrar. E se tento ir de um lugar a outro sem ela, chora como se eu a estivesse abandonando e simplesmente não permite que isso aconteça. Se escuta a minha chave girar no portão e sem ela junto de mim, ela grita como se estivesse sendo machucada.
    Esse é o segundo bichinho completamente apaixonado por humanos que eu encontro. Não consigo aceitar que eles foram descartados por alguém, tanto amor que eles têm. Prefiro imaginar que eles ficaram perdidos e que seus donos originais jamais os encontraram. O primeiro foi um gatinho bebê preto e branco. Queria ficar onde tivesse gente, nunca havia conhecido um gato assim, que me olhasse nos olhos e implorasse por chamego sem nunca ter me visto antes.
     Já tinha quatro gatos na época e eles queriam matá-lo. As poucas horas que ele ficou aqui foi um tempo em que foi tolerado pelos demais. Então, enquanto ia trabalhar, rezei: "Valha-me São Francisco! Me ajude a achar um dono para esse gatinho, por favor!" e não é que imediatamente após o pedido eu encontrei! 
    Pedi que o chamassem de Francisco dada a proeza do Santo. E assim ele virou "Chiquinho". Saiu daqui abraçado e beijado pela nova dona que nem se importava com as perebinhas em seu pêlo sujo. Se um dia ele foi chamado de José, de Flufi ou de Gato parece não mais saber.
     Lucy  também tem amnésia. Não sabemos quase nada do seu passado. E aos poucos ela própria vai se esquecendo do que sabia...medo de jornal ou vassoura, medo, medo. O olhar de tristeza foi substituído por uma cara de pura sapequice. Ela é bem feliz. Nós somos felizes. Ela agora é o começo da minha família. Eu e meu noivo somos os novos ancestrais e a Lucy é a nossa companheira e responsabilidade. Nossa menina-lobo-Falcon-criatura do Hayao Miyazaki.
    Caminhamos as duas juntas por horas a fio. Na volta estávamos tão cansadas que ela havia párado de cheirar as coisas do caminho. Eu não sentia a guia em minhas mãos, era como se ela não existisse. Não olhava para a Lucy e ela não olhava para mim. Andávamos exaustas em linha reta. Lado a lado. Sabia que ela estava ao meu lado porque escutava a sua respiração arfante. A rua era toda nossa. E meu coração era todo dela.