Ao leitor, esse ser imaginário com quem por vezes entrelaço os dedos, o cheiro do papel e a percepção que nós também nos tornamos acobreados.Esse pedaço de papel é feito de carne, da minha.
segunda-feira, 26 de abril de 2010
Maliciosa
Quando ele me abraçou, daquele jeito nem de irmão, nem de amigo... parecido mesmo com jeito de namorados... exceto pela respeitosa distância entre nossos corpos... não pude deixar de notar o quanto ele tinha os braços grandes e fortes. Enlaçavam facilmente, pousando ambivalentes, suaves e másculos sobre meu colo... não há como descrever a delicadeza desse gesto que foi tão dele... aprisionar gentilmente. Um sorriso malicioso brotou em mim... o sei de certa maneira meu... bastava um leve inclinar da minha cabeça para dizer que queria mais do que o que tive.
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Not mean, but be e algo sobre a mediocridade dos pseudo artistas.
"Os críticos elogiam essa perfeição técnica que, no fundo, nada significa. A arte é uma coisa cruel(...)a pintura é como uma janela que abre para o fundo do nosso coração. Tudo o que vc fez nessas pinturas foi abrir uma séria de pequenas janelas para um coração cheio de pintures em voga(...)Você aqui está dizendo alguma coisa sobre Nicholson ou Pasmoere. Não sobre si própria. Está usando uma câmera. Tal como um trompel'oiel é fotografia mal canalizada, o mesmo sucede quando pintamos no estilo de outra pessoa. Você, nesta tentativa, está fotografando.Nada mais" G.P para Miranda(em O Colecionador de John Fowles)
A arte vazia é horrível, existência repugnante e pior do que a ausência da arte. Escritores que são adorados por escrever o banal de maneira banal, assim como os supostos artistas "mestres da técnica". Na minha opinião, quem não é reconhecido e é ao mesmo tempo popular não é verdadeiramente bom. Há um porão onde se escondem os grandiosos artistas, e nunca pousaremos nossos olhos nas coisas que eles conjuram...porque nossos olhos estarão confusos demais para distinguir o que é real e o que é medíocre. Estamos saturados de mediocridade. Despreso pessoas medíocres. Imitadores. Pessoas vazias que se auto entitulam algo. A Arte, por ser uma criação unicamente humana, tem em sua forma uma anatomia que pertence ao seu criador, uma sordidez triste triste, o lado só sombras. Admiro muito os que conseguiram se mostrar sem ter que se vender ao populismo. Talvez tenha sido preciso cortar uma orelha e enlouquecer ao final do processo. Mas tendo a achar que os artistas verdadeiros vivem sempre no limiar da insanidade. Talvez por enxergarem as coisas mais brilhantes do que de fato são. Eles foram de fato grandes.
Não sou uma artista, e nunca o serei. Nessa vida, ocupo o posto de admiradora. Minha alma envelhecida assume manias e temperamentos obscuros. Minhas atividades artísticas nada mais são do que atividades. Não escrevo esse texto sobre o que eu faço. O que eu faço é nada. Escrevo esse texto de puro cansaço e também em admiração ao Fowles que conseguiu com tão poucas palavras externar o engasgo que eu sempre tive quando me perguntam se acho uma coisa ou outra bonita.
Alguns escritores nunca amadurecem e em seus livros de centenas de páginas falando sobre suas vidinhas ordinárias não encontro uma única frase que me comova.São os textos de adolescentes pretensiosos que acham que vão chocar o mundo com suas posturas arrogantes e agressivas. Uma intimidação falha faz um adulto não passar de um adolescente cruel e tirano.
Há uma beleza em se falar de coisas feias e banais. Lembro me de ao ler "A Portrait of An Artist as A Young Man" do James Joyce, dentre todas as coisas que li nesse livro, coisas complexas e graves, ter me emocionado com a descrição de uma criança molhando a cama. "When you wet the bed, first it is warm then it gets cold. His mother put on the oilsheet. That had a queer smell".
Não condeno os best-sellers, alguns são para nos entreter e é um erro procurar metáforas bonitas neles... pode-se passar horas seguidas preso em um livro desses e isso é exatamente o que os tornam especiais. Mas admirar um escritor pop é o mesmo que se apaixonar por o roteirista de uma novela.
sexta-feira, 16 de abril de 2010
Lucy.
Ao ler o livro O gato por dentro de William Burroughs, lembro-me de ter ficado chocada com uma cena: um cão alegre e estúpido, abanava o rabo enquanto mastigava o rosto do cadáver do dono.
Talvez não tenha me identificado tanto assim com o autor, não nessa parte de ódio ao cão. Prefiro gatos, isso é sabido, mas também gosto de cães. Na minha lista de favoritos estão em primeiro lugar os gatos, depois os cães, em terceiro lugar os porquinhos da índia e em quarto lugar os cavalos, coelinhos e demais animaizinhos. Os passarinhos ficam de fora. Assim como os peixes e os demais que foram feitos pra serem livres e só gostam de gente se forçarmos muito a amizade. Peixe-beta não conta porque ele gosta de ficar sozinho e um aquário médio é mais do que suficiente em termos de espaço.
Os porquinhos da índia merecem o terceiro posto porque fazem um barulhinho fofo ao andar, e é divertido assistí-los triturando com seus dentinhos qualquer folha cumprida que a gente os dê.
Acho que nessa minha vida sou mais gato do que cão. Apesar da minha permissividade e lealdade exarcebada, sou reservada e sistemática com a maioria das coisas. Não gosto de carinho o tempo todo, adoro dormir e me esticar preguiçosamente durante o dia. Gosto mais de mim do que das pessoas, gosto mais dos meus gatos do que das pessoas. O gato é tão elegante, é tão livre... mas as vezes eu me percebo mendigando uns minutos de atenção ou um carinho... eles me toleram, mas não se doam o tempo todo. Quando eles querem, eles fazem. Quando não querem, ou te toleram ou te ferem. Não há como se chatear, é a natureza deles. O gato te faz olhar dentro de si. Perceber suas fraquezas, detestar seu próprio cheiro e admitir sua carência. O gato é o amor coberto de racionalidade. O amor franco demais, o amor tênue. O amor da conquista constante. Por isso são tão temidos. Mas não são traiçoeiros, o gato é completamente previsível em sua inconstância e é exatamente esse o seu charme. O gato é dele mesmo.
Sabe, não vai me fazer mal ter um cão. O cão atrapalhado, afobado. Que se mija de excitação com o simples brandir de uma corrente. O cão é um animal de atitudes exageradas. O cão grita que te ama o tempo todo. Ele não deixa subtentido em um leve roçar ou se esgueirando furtivamente para se aconchegar entre suas pernas. O cão diz: "Olha pra mim! Olha pra mim!" e salta, e uiva, e abana freneticamente seu rabinho e lambe as mãos do dono. O gato age como se não estivesse sendo observado, e quando não, é ele quem nos observa: no chuveiro, durante o sono ou ao assistir televisão. Você sente um pequeno calafrio e quando olha para o lado, encontra pousados sobre você aqueles pares de olhos bonitos. Os olhos mais bonitos que a gente já viu.
Nós humanos somos muito chatos. Por mais que se evite dizer, estamos infelizes por mais tempo do que ousamos demonstrar. Acho que o amor desmedido e estúpido do cão diminuirá as minhas horas de tristeza. Pelo menos ao encontrar o meu amigo leal, amigo canino, poderei me iludir com uma grandiosidade gratuita, poderei ser o objeto de desejo e atenção integral, sem ter ao menos, que me cansar com a conquista. Nunca me faltará afeto. Será eu afinal quem vai dizer "chega, já entendi". O amor perfeitamente idealizado. Minhas manhãs e noites serão mais felizes com a Lucy por perto.
domingo, 4 de abril de 2010
O Rabinho.
A menina nasceu com um rabinho. Ele era diminuto e singelo, no encontro entre as suas costas lisas e suas nádegas redondinhas. O rabinho era completo: carne, pele e osso. Ela conseguia movê-lo se quisesse. Mas não era simples como mecher um dedo... era mais como quem consegue mecher as orelhas. Gastava concentrar-se. A mãe a instruiu a deixar o rabinho sempre escondido...porque ela era única no mundo e as pessoas morrem de inveja de quem é diferente e tendem a ser cruel. Ela escondeu o rabinho por toda a sua vida, mas não deixava de achá-lo bonito e de se achar uma mulher especial. E se porventura o revelasse à alguém, esse alguém era marcado para sempre...e se tinha alguma saudade, essa saudade era ainda maior, porque não havia no mundo alguém que houvesse namorado duas meninas assim.
sexta-feira, 2 de abril de 2010
Obscura.
Meu irmão diz que sou obscura. Ele diz que construo um muro e me escondo atrás dele. Um muro intransponível. Me pergunto se ele nunca cogitou ler esse blog. Tenho aqui contos de quando eu ainda estava em Belo Horizonte. Tentei, tentei e tentei... mas ainda continuo a menina morta-viva com esqueletos no armário. Esquivo da meu convívio familiar e dos meus problemas com a construção de metáforas. Tento achar algo bonito no meio dessa dor. Tento significar. Porque se há uma coisa com a qual convivo desde sempre é a dor. Minhas dores. Meu cansaço. Esse, grande a ponto de me fazer identificar com um suicida.
Quando digo pra mim mesma que estou feliz, o sofrimento chega com as suas navalhadas impiedosas, corta fundo a minha carne e me destrói. Sofro de uma condição nada rara. Luto diariamente com minha depressão... tampando um buraco aqui e outro ali pra parecer alegre no final. Mas nunca deixo de ser uma boneca recheada com falsas felicidades e dona de um sorriso paralítico.
Não sei o que é lar. Nunca tive um. Tenho tanta inveja dos outros que chamam essa maldita casa de lar deles, ainda que eles tenham suas próprias casas e famílias. Eles puderam ficarf aqui até depois dos trinta. E eu desde os 19 sou expelida para fora desse útero. Aborto humano. Minha mãe me mantem aqui como um feto natimorto. Lembro da minha voz gritando, a voz de uma menina de 13 anos, gritando que nem mesmo as portas eu posso bater, afinal, não foi com meu dinheiro que elas foram compradas. Achei que melhoraria algo quando eu pudesse ajudar financeiramente. Me enganei. Continuo sendo a intrusa. Talvez os narizes sagazes dos meus irmãos farejem que esse lugar não me pertence.
Foi dentre essas portas que vivi meus maiores horrores...horrores que não saberia descrever. Essas portas que nunca foram minhas, e portas que odeio tanto. Portas que personificam a minha angústia de viver uma vida dos outros. A Mariana morta. A irmã caçula. Essas portas não são minhas nem quando as bato com ódio. São as portas da casa da minha mãe. Portas que nunca respeitam o meu silêncio ou o meu grito. Portas que não conseguem me fazer sentir protejida, sentir em casa, descansar o descanso merecido, dormir o sono dos justos, ter uma vida só minha. Viver.
Meu lar sempre foi outro. Meus gatos, e essa tela cheia de palavras. Moro nas palavras. Quem as lê, lê também a minha alma. Minha alma está presa em meus dedos. Não consigo falar, só escrever.
Me extendo por essas linhas extras por medo de ter que voltar a ser a Mariana-morta. Aqui e vivo, aqui eu posso ser sincera. Aqui me compreendem.
Ainda sou a assassina de mim mesma. Ao passo que não abandono esse lugar. São tantas desculpas: meus gatos, a falta de dinheiro, a carência da minha mãe, afinal, é comigo que ela se senta a mesa para almoçar. As roupas sempre lavadas, o cheiro de limpeza da roupa de cama, o almoço servido. Mas não é isso que me mantem aqui. Não é. O que me mantem aqui é o meu ódio, não o meu amor. Me odeio, e gosto de sofrer. Gosto de ser a vítima. Hipócrita vítima. Talvez não goste de viver. Talvez nunca tenha aprendido a fazê-lo. Talvez nunca tenha tido espaço físico para isso. Não um espaço meu.
Mas estou decidida a partir.
Como falar de amor depois de tudo isso. Minhas costas dôem, meus olhos estão inchados e minha cabeça também está doendo. Mas é preciso um parêntese. É preciso dizer que quando eu partir um dia...se partir sozinha, amei você, Fábio, muito. Ainda de te amo muito e é uma pena que não saiba te amar da maneira que você merece. É uma pena não te poupar dessa minha ignorância emocional. Você não merece alguém com a alma estilhaçada.
Quando digo pra mim mesma que estou feliz, o sofrimento chega com as suas navalhadas impiedosas, corta fundo a minha carne e me destrói. Sofro de uma condição nada rara. Luto diariamente com minha depressão... tampando um buraco aqui e outro ali pra parecer alegre no final. Mas nunca deixo de ser uma boneca recheada com falsas felicidades e dona de um sorriso paralítico.
Não sei o que é lar. Nunca tive um. Tenho tanta inveja dos outros que chamam essa maldita casa de lar deles, ainda que eles tenham suas próprias casas e famílias. Eles puderam ficarf aqui até depois dos trinta. E eu desde os 19 sou expelida para fora desse útero. Aborto humano. Minha mãe me mantem aqui como um feto natimorto. Lembro da minha voz gritando, a voz de uma menina de 13 anos, gritando que nem mesmo as portas eu posso bater, afinal, não foi com meu dinheiro que elas foram compradas. Achei que melhoraria algo quando eu pudesse ajudar financeiramente. Me enganei. Continuo sendo a intrusa. Talvez os narizes sagazes dos meus irmãos farejem que esse lugar não me pertence.
Foi dentre essas portas que vivi meus maiores horrores...horrores que não saberia descrever. Essas portas que nunca foram minhas, e portas que odeio tanto. Portas que personificam a minha angústia de viver uma vida dos outros. A Mariana morta. A irmã caçula. Essas portas não são minhas nem quando as bato com ódio. São as portas da casa da minha mãe. Portas que nunca respeitam o meu silêncio ou o meu grito. Portas que não conseguem me fazer sentir protejida, sentir em casa, descansar o descanso merecido, dormir o sono dos justos, ter uma vida só minha. Viver.
Meu lar sempre foi outro. Meus gatos, e essa tela cheia de palavras. Moro nas palavras. Quem as lê, lê também a minha alma. Minha alma está presa em meus dedos. Não consigo falar, só escrever.
Me extendo por essas linhas extras por medo de ter que voltar a ser a Mariana-morta. Aqui e vivo, aqui eu posso ser sincera. Aqui me compreendem.
Ainda sou a assassina de mim mesma. Ao passo que não abandono esse lugar. São tantas desculpas: meus gatos, a falta de dinheiro, a carência da minha mãe, afinal, é comigo que ela se senta a mesa para almoçar. As roupas sempre lavadas, o cheiro de limpeza da roupa de cama, o almoço servido. Mas não é isso que me mantem aqui. Não é. O que me mantem aqui é o meu ódio, não o meu amor. Me odeio, e gosto de sofrer. Gosto de ser a vítima. Hipócrita vítima. Talvez não goste de viver. Talvez nunca tenha aprendido a fazê-lo. Talvez nunca tenha tido espaço físico para isso. Não um espaço meu.
Mas estou decidida a partir.
Como falar de amor depois de tudo isso. Minhas costas dôem, meus olhos estão inchados e minha cabeça também está doendo. Mas é preciso um parêntese. É preciso dizer que quando eu partir um dia...se partir sozinha, amei você, Fábio, muito. Ainda de te amo muito e é uma pena que não saiba te amar da maneira que você merece. É uma pena não te poupar dessa minha ignorância emocional. Você não merece alguém com a alma estilhaçada.
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