quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Mortos sem lápide.

Talvez esteja na hora de responder uma pergunta que você me fez há muito tempo atrás. Você jogava sobre mim uma pilha de pequenas lembranças concretas, cartões, cartas, desenhos, fotos e aliança. Nessa época te disse a verdade. De fato não sabia o que fazer com essas coisas que ainda estão todas guardadas em um lugar reservado da casa. Como pequenos esqueletos de bebês natimortos no guarda roupa.
As vezes os visitava, como a viúva que manteve o corpo do marido amarrado à uma árvore e quando queria consolo ia até os ombros do fétido cadáver escorar delicamente a cabeça e contar sobre seu dia.
Mas talvez já seja hora de deixá-los partir.
Todos os beijos, momentos de silêncio, meu reflexo em suas pupilas, uvas brancas no reveillon, o barulho sincronizado do meu coração e da caixa de correspondência. Os desenhos em espirais e o nosso futuro assassinado por minha imaturidade e negligência.
Todos os retratos, pinturas, frases escritas no verso e pequenas caricaturas de nós como uma coisa só. As rosas vermelhas, o buquê de lírio, sua fantasia de colegial, o nariz levemente arrebitado, as orelinhas de elfo. Essas são coisas que sentirei muita saudade. Sua maneira de nunca me deixar dormir. Sua pintinha secreta e sua borboleta roxa. Te machuquei tanto. Nada justifica o que fiz. Nem mesmo o medo.
Alianças de prata com nomes gravados.
Talvez não doa tanto deixar vocês partirem. Já me livrei dos meus cabelos longos que você prendia ao me abraçar. Já me livrei dos meus cabelos loiros que você dizia ter muito verde.
Um dia que estiver sozinha aqui(porque isso é uma coisa que se faz quando ninguém está por perto), vou fazer uma pequena fogueira. Talvez dê um último beijo. Provavelmente vou chorar muito.
Talvez com a fogueira e as cinzas que se levantam com o vento, vou deixar algumas lembranças partirem também. 
Tenho que admitir que vocês se foram da minha vida há muitos anos atrás. Eu mesma já me fui, por tantas mudanças que ocorreram por dentro e fora. 
Portanto "Adeus meus amores". "Adeus" ao máximo que me é permitido despedir, porque parte de mim morreu com vocês. Parte de mim morreu com esse inesxistente nós. Vou carregá-los para sempre independentemente de me livrar de seus resquícios físicos ou não. 
Pois há um lugar na lembrança. Um lugar dolor. Onde se visitam os mortos sem ter necessariamente que se construir lápides. 

4 comentários:

  1. Oo

    Eu revoltada com o país e vc aí sendo sentimental.

    a gente precisa converar =/

    ResponderExcluir
  2. Texto maravilhoso. Parabéns!
    Me identifiquei bastante, pois sei bem, que mesmo as lembranças físicas sendo destruídas, elas sempre ficarão e volta e meia voltarão com mais força.

    Adorei o blog. =)

    ResponderExcluir
  3. Obrigada Veloso, bom saber que você continua me visitando por aqui! Beijinho!

    Muito obrigada Gabriele, seja bem vinda!

    ResponderExcluir