domingo, 19 de julho de 2009

Relato: Dentro

Levava ele dentro. Quente, secreto, profundo. O Amor. Quem a visse assim, tão livre... nem imaginaria que aquele pequeno sol estava ali aquecendo seu ventre. O sol dos sóis. O sol a derretia e ela sentia-se preenchida, plena. Ela pertencia à ele e ele era todo seu.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Relato: Aquário.

As unhas coloridas eram peixinhos que lavavam as pedras do fundo do aquário. Enquanto isso, um peixinho azul e roxo dançava dentro de um copo, suas barbatanas longas de uma dançarina espanhola.
Ela se perguntava o porquê da tristeza que sempre, mesmo que fosse umazinha, uma tristezazinha boba boba e pequena, a sugava tanto. As tristezas a devoravam como uma enorme boca de baleia azul. Seus milhares de pensamentos de plâncton.
Suas unhas, por exemplo, estavam tão bonitas ali debaixo da água e ela até se permitiu brincar um pouco. Seus olhinhos de pepita ERAM tristes talvez, mas quase ninguém notava. Porque sua boca e seus olhos quase nunca andavam juntos.
Aí ela se cansou e voltou para o seu quarto-aquário.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Relato:Uma caminhada boba...

Ao caminharmos ali-de mãos dadas- parecíamos mais a carta de um morto que chega pelo correio. A situação toda parecia surreal, aliás, era um passado encabível na minha vida. Quando andávamos ali-tão patéticos... eu sentia uma vergonha crescente do que estávamos fazendo. Despedidas póstumas, desenterrar um cadáver para passar mais uma vez pelo velório.
Eu te olhava procurando ângulos familiares e não os encontrava. Você estava débil. Sorria só por fora. E seu beijo era quente, procurava por mim... uma retribuição. Eu no entanto, somente lhe oferecia minha boca. Foi como beijar um estranho travestido de conhecido. Já não te conhecia, ou já não te amava. As suas pintinhas continuavam ali, os seus dentes tão alinhados, e o jeito trôpego de caminhar era o mesmo, até as falas eram parecidas... meu nome secreto dito com ardor. Você estava pedante e nostálgico.
Não sei porque me levei até aquele trecho. Nem ao menos quis me arrumar: meu cabelo caía em mechas desordenadas, a blusa de frio desbotada e a calça dobrada em tamanhos diferentes(no fundo não te achava mais digno de me ver vaidosa- não para você). As árvores nos cercavam com seus troncos grossos e seus braços esticados..."venha minha filha, venha...". Eu estava livre.
Você falava e falava. Eu olhava nossas mãos entrelaçadas com espanto, um espasmo post-mortem, um ato automático, e minha mente ia até onde a água corria. Sempre havia escutado, jamais havia visto. E o trecho íngreme e pitoresco. A paisagem toda bucólica. O oásis da cidade. Pensei o quanto queria estar ali sozinha e não com você. Mas suas ligações aos prantos todas as noites, os choros desesperados na minha porta. Ainda não havia me velado não é mesmo?!
Agora, estamos perto da minha casa. Você me diz mais uma vez que me ama e que eu estarei casada e com filhos antes que você possa se interessar por outra. Você era tão grande antes, tão forte. Você era desejo. E ali, ali...estava uma sombra. Um homem pequenininho e fraco, implorando por um amor que ele mesmo assassinara.
Antes desse dia, eu te lembrava com dor. Te lembrava cuidando de mim, te lembrava me fazendo rir. Hoje, se a sombra do que foi me vem a memória, seja por um nome escrito aqui ou ali, um presente antigo... não me lembro do seu perfume, ou do seu abraço. Não me lembro do seus carinhos ou do seu gosto. Essa foi a sua escolha: me fazer lembrar de você assim: as mãos entrelaçadas com os dedos de uma estranha naquele último dia. Me lembro vagamente de você beijando o meu cadáver, e aquele beijo me causando asco...sem que a lembrança dele me cause pena, remorso ou saudade.
Você nem ao menos existiu.