Trabalhávamos em uma fábrica imunda e desolada no fim dos tempos depois da grande última guerra. Estiradas e enferrujadas a maquinaria se assemelhava à um gigante colossal de um animal inventado.
O trabalho era simples: consistia em triturar entulhos para transformá-los em matéria prima onde se protejer das condições extremas. Mas nada se é simples quando há um espaço vazio onde deveria haver digestão. Depois de um tempo a impressão que se tem é que o corpo se devora de dentro para fora... a começar pelas próprias paredes do estômago.
A sutileza da situação, levou alguns ao canibalismo... homem contra homem, homem come homem... ao se pensar bem, nota-se que é um absurdo menor que a guerra em si. É um absurdo de sobrevivência.
Eu, no entanto, tenho o paladar sensível para um sabor tão exótico quanto a carne humana. Não me apetece roer os dedinhos de uma mão e chupar-lhes o tutano dos ossos. Mais aprecio a minha inanição. Morte lenta e dolorosa.
Não temos salários, nem nenhum outro tipo de pagamento. Assim sendo, funcionários dos mais diversos caráters são contratados(apesar de não haver um contratante em si). Enquanto a máquina mastiga, me concentro em sua digestão e deixo de reviver por um instante a morte das minhas filhas e o estupro e assassinato de minha jovem e suave esposa.
Um fato nos une, por mais sortidos, por mais motivos obscuros que nos levem à estar ali: todos têm fome.
Um funcionário acidentalmente moeu seu braço. Indiferentes, os observamos gangrenar até a morte...as engrenhagens tingidas de mais vermelho além da natural ferrugem. Um grupo de canibais o observavam morrer enquanto passavam as línguas sobre seus dentes bestiais.
Eles são boas pessoas. E provavelmente trabalharão por mais tempo que eu.