domingo, 19 de agosto de 2012

Housewife Project 3

Eu gosto da chuva. Ela lava tudo. Ela leva tudo. Inclusive as sujeiras alheias que emporcalham as ruas mais bonitas da cidade onde eu estou morando. Os passarinhos parecem cantar mais quando ela pára, as vezes tem arco-íris, as plantas ficam mais verdinhas e sobe às narinas um cheirinho bom, cheiro de chuva e se por ventura cruza o meu caminho algum cãozinho com o pêlo molhado, eu me lembro de quando era criança, eu me lembro de como é bom brincar na chuva, ou dormir preguiçosamente no sofá como fazem os meus gatos.
Eu geralmente gosto da chuva, mas hoje não. Hoje ela se precipitou sobre os meus planos me deixando ainda mais vazia do que estava ontem. Eu tenho andado vazia, vazia de prazer nas coisas, me arrasto daqui até ali e tento parecer normal, mas é como se vivesse uma vida inteiramente artificial com alguém me falando: aqui você deve sorrir, aqui você deve agradecer, aqui você deve se alterar...
Me senti tão perdida que vim caminhando rumo aos meus dois compromissos desfeitos. Os Leões Chineses que iriam desfilar não saíram, ou se saíram, eu não os vi. Mas esse desencontro foi um encontro, porque é ainda mais melancólico averiguar que o mundo interio floresce em um crescente de coisas belas e imagens boas enquanto você deseja somente o mórbido, a morte, a inexistência e a escuridão.
É como um poema que eu conheço:


           THE WIDOW'S LAMENT IN SPRINGTIME(O Lamento da Viúva na Primavera)
            by: William Carlos Williams (1883-1963)
      ORROW is my own yard (Sofrimento é o meu próprio jardim)
      where the new grass(onde a grama nova)
      flames as it has flamed(flameja como flamejava)
      often before but not(habitualmente antes mas não)
      with the cold fire(com esse fogo gélido)
      that closes round me this year.(que se fecha sobre mim esse ano)
      Thirtyfive years(trinta e cinco anos)
      I lived with my husband.(eu vivi com o meu marido.)
      The plumtree is white today(O pé de ameixa está branco hoje)
      with masses of flowers.(com toneladas de flores)
      Masses of flowers(toneladas de flores)
      load the cherry branches(os galhos de cereja carregados)
      and color some bushes(e alguns arbustos coloridos)
      yellow and some red(amarelo e algum vermelho)
      but the grief in my heart(mas a dor em meu coração)
      is stronger than they(é maior do que eles)
      for though they were my joy(embora eles terem sido minha alegria)
      formerly, today I notice them(a princípio, hoje eu os notei)
      and turned away forgetting.(e me afastei-me esquecendo)
      Today my son told me(Hoje meu filho me disse)
      that in the meadows,(que nos prados)
      at the edge of the heavy woods(onde começa a mata densa)
      in the distance, he saw(ao longe, ele notou)
      trees of white flowers.(árvores com flores brancas)
      I feel that I would like(Eu sinto que eu gostaria)
      to go there(de ir até lá)
      and fall into those flowers(e cair nessas flores)
      and sink into the marsh near them. (e afundar-me no charco próximo à elas)
       

Gostaria de mergulhar no cheiro de terra fresca, sentir a maciez viscosa dos grãos empapados cobrirem as minhas pupilas em uma ocasião solene e silenciosa. Tenho usado muitas medicações paliativas. Mas é difícil segurar firme em algo quando esse algo é tão abstrato quanto uma névoa, quanto palavras à cerca do futuro... e assim vou tecendo uma teia de ilusões, eu uma aranha velha e estéril. Já sei que minha teia não trará alimento. Não prenderá nada, nem a eu mesma.
Sou uma dona de casa atípica: enquanto lido com a frustração do sol não ter saído para que eu pudesse lavar os meus lençóis e cobertores, mastigo junto a queda abismal de algumas das minhas ilusões... Eu não estava certa em momento algum, mas eu errei por confiar demais não por ser desleal. Eu, no entanto, fui invadida e abandonada. Agora, estou fadada à esconder melhor meus esqueletos no armário.
Também pensava que ao mudar da casa dos meus pais eliminaria algumas das minhas dores, mas descobri que elas se mudaram comigo, e não há percepção mais assustadora do que essa. Esse tempo todo dizendo: "Porque quando eu me mudar, não terei que passar mais por isso, e sofrerei menos"...é como um filme de terror, como se uma mulher parisse um feto monstruoso e doente em todos os sentidos, ainda ensanguentada, fraca e enlouquecida o lançasse para à morte e  no momento seguinte o ter agarrado ao seu seio alimentando-se de seus fluidos e de sua alma.
A chuva parou mas o céu ainda está coberto de nuvens cinzas. Eu apoio o meu garda-chuva no chão e o uso como uma bengala. Estou cansada. Estou exausta. E tenho medo.


       

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Borboleta da Couve

 Uma senhora arrancava pacientemente as lagartas pequeninas que devoravam as couves da sua horta: uma por uma. Fazia isso com a destreza com a qual se costura ou se cata feijão.

Um homem ao passar perguntou-lhe, assim com uma certa intromissão, se ela não gostava de borboletas. 

A velha, sem que se distraísse da sua tarefa, respondeu que as achava belas.

O homem, aparentemente satisfeito com a resposta, disse-lhe de maneira arrogante que se ela gostava de borboletas, então que deixasse as lagartas se desenvolverem.

A senhora, respondeu-lhe doce e calmamente que infelizmente as borboletas não sabiam plantar.

E assim partiu o homem, achando a senhora muito mesquinha e egoísta, até o dia em que ele próprio decidiu plantar um jardim.