Alphonsus de Guimaraens
Entre brumas ao longe surge a aurora,
O hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu risonho
Toda branca de sol.
E o sino canta em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
O astro glorioso segue a eterna estrada.
Uma áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a benção de Jesus.
E o sino clama em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
Por entre lírios e lilases desce
A tarde esquiva: amargurada prece
Poe-se a luz a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu tristonho
Toda branca de luar.
E o sino chora em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
O céu e todo trevas: o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
Vem acoitar o rosto meu.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Afunda-se no caos do céu medonho
Como um astro que já morreu.
E o sino chora em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
Quando cheguei, encontrei tudo arrumado, esperando por mim. Encontrei o amor e a compreensão que desejava encontrar mas me senti um pouco incômoda. Como se eu ocupasse espaço demais. Então eu quis chorar. Mas aguentei. E foi bom. E será bom. Tentarei ser útil para fazer valer o meu enorme corpo, e o meu cheiro, e os meus hábitos, porque me sinto como se eu fosse um bebê gigante e temporão que mudasse a dinâmica dessa família. Um pouco de verdade, um pouco de exagero.
Mas esse tempo, esse tempo de silêncio, de contenção, é o que preciso para libertar todo o meu amor que sinto por eles. Para começar minha vida adulta perto da minha "irmãe". E que eu consiga isso. Já estou conseguindo sorrisos e gentilezas de pessoas desconhecidas, como se a cidade que estivesse vestindo esses rostos para dizer que eu pertenço aqui.
No entanto minha verdadeira casa é o Fábio. E tudo depende dele. De nós. Já sabia isso quando escrevi Driving Home. E queria que fosse aqui, nessa cidade.
As ruelas e as casas tem um cheiro úmido e familiar: terra, musgo e pedra. É como se agora eu morasse em um jardim. Gosto de andar bem devagar. O céu azul minha enorme sombrinha e por vezes me vejo surpreendida por praças, flores e pássaros.
Ao passar em frente ao presídio local, bem no meio da cidade, ouvi os presos rezando em cântico. Era uma música emocionada, profunda e muito triste. Olhei pra cima e vi uma igreja. E notei que em quase os pontos da cidade as torres das Igrejas se erguem aos céus. Somos velados por elas. A intransponível pedra de Pedro. Ashes to ashes, dust to dust.
Por fim, chego ao meu destino. O coveiro, negro e forte, estava sentado junto ao muro, assim, como faria um corvo. Estava quente e eu estava suada e vermelha. Ele parecia indiferente ao sol ou estava sob uma sombra que eu não via. "Oi! Está aberto?"- eu disse, e ele me respondeu com uma voz muito amigável que sim! Então eu perguntei: "O Alphonsus ainda está aí?" Ele riu e disse "Por enquanto está!".
Um homem idoso e mal trapilho entra logo atrás de mim. Senti um pouco de medo. Medo do homem e do coveiro. Os mortos não me incomodaram. Alguns túmulos estavam desarrumados, um grande Jesus escurecido pelas chuvas chorava fezes de pombos. E lá estava o Alphonsus. A inscrição dizia "A minha alma é uma cruz enterrada ao céu."
Fotografo a lápide com um sorriso irônico "Pobre Alphonsus, pobre alphonsus!".