Ela era uma menina muito pequena que tinha muita dificuldade pra dormir. Imaginava e imaginava. Monstros que a devorariam ali, dentro do escuro do quarto, se escutassem a sua respiração. Então, encolhia debaixo da coberta e respirava o mínimo possível, imaginando-lhes as conversas, sempre como se tivessem em um cocktail. Ela era uma menina que imaginava muito.
Com a luz acesa era bem mais fácil. A irmã um pouco mais velha, que hoje já morreu, a fazia imaginar um João Pestana. Só que ao invés de algibeira com areia, este trazia um guarda-chuva e um pozinho mágico pra se jogar no olho e fazê-lo fechar de sono. O olho coçava.
O guarda-chuva, independente do clima do dia, estava sempre aberto, e já de longe, antes que ele caminhasse até a altura dos olhos(é preciso dizer que ele era bem minúsculo e o guarda chuva, nessas condições parecia bem grandão), logo se via se era um pesadelo ou um sonho bom. Se fosse um pesadelo ele era escuro igual ao guarda-chuva do papai, se era um sonho bom, ele era ainda mais colorido do que a sombrinha da mamãe. Era colorido das sete cores do arco íris, em gomos recheados delas, assim, como se fosse um guarda-chuva de praia. A menina não se importava com os dias de pesadelos, eles eram, em todo caso, melhores do que os monstros na festinha do escuro.
Um dia a avó, em delírio, velhinha e fraca, imaginava como a menina, coisas que na verdade não estavam no quarto. Imaginava e via, meninos que lhes roubavam os biscoitos embalde ela ralhasse: "Deixe eles aí! São dos meus netinhos, suas pestes!" outras, imagivana uma moça em seu quarto com um guarda chuva aberto.
No mundo da avó, não se podia deixar a hóstia enconstar no céu da boca, ou se sentiria o gosto de sangue do cordeiro. No mundo da avó, guarda chuva aberto dentro de casa em dia de sol era mal agouro, trazia tempestades e tormentas, varrendo as hortas e as coisas da gente pobre que construia casa nos barrancos.
E a velhinha berrava para a moça fechar o guarda chuva. Implorava para que ela olhasse o sol lá fora. Um dia lindo e claro. Era um desespero muito próximo da mágoa, muito próximo da dor.
A mãe da menina,tão sábia, foi ao socorro da senhora em prantos, e ordenou à moça que fechasse o guarda chuva ou então fosse embora. A avó então, enxugou os olhos e sorriu.