Hoje sonhei com a minha vó. Um sonho cheio de símbolos: estávamos na casa velha, a casa dela, no ponto em que a divisória com os vizinhos, um loteamento vazio, era apenas uma cerquinha de arame de vários hexágonos casados . E havia um homem, severo, enxugando as gotas de suor com as costas das mãos enquanto cortava lenha nesse lote. A lenha que ele cortava era do enorme pé de amora que se erguia altivo no centro desse lote como se desafiasse a molecada a roubá-lhe os frutos. Junto do homem um garotinho, novo demais para auxiliá-lo, apenas observava a labuta do homem que diria ser seu pai.
Surpreso com os meus olhos pousados sobre eles, em um misto de impaciência e gentileza, ele, obviamente tímido, para desviar a minha atenção do que ele e o garoto faziam, pára o trabalho apoiando os cotovelos sobre o cabo do machado que subtamente havia se transformado em uma enxada e me pergunta, como se mandasse embora se "aquela alí não era a minha vó", o "ali" indicado com um sutil movimento do queixo. Eu respondo que sim antes mesmo de olhar e quando me viro para a dieção indicada pelo misterioso homem, o lugar onde havia sido o fogão de lenha(da única foto em que meus pais estão abraçados e felizes) se precipita um monte de terra. O cheiro de folha seca e húmus vem me imediatamente às narinas e meus ouvidos escutam o som da enxada de volta ao trabalho.
Do morro de terra, em um suposto aparato de contenção da terra, ou para transformar aquela área em um jardim, caem umas telhas bem alaranjadas e novinhas diferente da atmosfera do lugar em si onde tudo cheirava a mausoléus antigos e terra, a própria origem da vida. Procuro com os olhos o que se encontra depois do morro de terra e vejo a minha vó: uma enorme e frondosa árvore, uma árvore centenária, o tronco enorme e cheio de cascas. As cascas são como rugas, e aquela avó ao contrário da avó da Pocahontas, era somente a árvore. Respondo ao homem, sem que me atreva a olhar pra ele novamente, ou respondo a eu mesma mais uma vez que é ela sim(e que havia morrido há muito tempo). Somente o som da enxada vem do outro lote. Eu me aproximo, escalando o pequeno morro, a terra fofa e as folhas sibilando nos meus pés e os sugando para dentro dela, como a areia faz no lugar onde a onda toca.
A avó-árvore abre os olhos e chora, eu a abraço e choramos juntas, um choro feliz, um choro de encontro. O choro diz por nós. O choro diz por mim: "olha vó, eu cresci, sou uma mulher casada e já aprendi a cuidar da casa" e o choro dela diz por ela: "estou orgulhosa de você e sinto saudades".
Depois desse sonho sei como explicar para o meu marido porquê quero ser enterrada no jazigo junto dos meus antepassados.
Você aprendeu muito mais! Lindas metáforas como de costume.
ResponderExcluir<3
ExcluirLindo texto, Mari! Adorei.
ResponderExcluirObrigada, querida. <3
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