terça-feira, 30 de novembro de 2010

Não estou pronta para o Natal...

"Hem Of Your Garment" -Cake

I am intrinsically no good

I have a heart that's made of wood

I am only biding time

Only reciting memorized lines

And I'm not fit to touch

The hem of your garment



No, no I'm not fit to touch the hem of your garment



I have no love but only goals

How very empty is my soul

It is a soul that feels no thrill

A soul that could easily kill

And I'm not fit to touch

The hem of your garment



No, no I'm not fit to touch the hem of your garment



I am intrinsically no good

I have a heart that's made of wood

I am only biding time

Only reciting memorized lines

And I'm not fit to touch

The hem of your garment



I am intrinsically no good

I have a heart that's made of wood

I am only biding time

Only reciting memorized lines

And I'm not fit to touch

The hem of your garment



No, no I'm not fit to touch the hem of your garment

The hem of your garment




Pensei na chuva que caiu um dia ploc ploc ploc e mudou por um décimo de segundo o meu dia de formiguinha corta corta corta.
Penso só em minhas feridas. Sou verdadeiramente hipócrita.
Confraternização. Porque a família são seus únicos amigos reais.
Mas os favores e os socorros que eu infelizmente tentei pedir tiveram um alto preço emocional.
Não que não tenham havido favores legítimos e de bom coração. A estes sou grata com devoção e afetividade.
Mas descobri que além de me sentir alienígena, sou alienígena.
Lidando com minha primeira reprovação escrita de caneta vermelha em um papel caro, me descubro moralmente doente e moralmente falha. Vivendo uma vida de 80% infelicidade.
Não me identifico com nenhuma religião.
Não me identifico com a minha pátria.
Não me identifico com a casa onde moro.
Meu melhor amigo da faculdade morreu no dia 25. Me identificava com ele. Aos 21.
Eu ao invés de sentir saudade, o invejo.
"I'm a creep. I'm a weirdo. What a hell am I doing here. I don't belong here."
Por que continuo tentando.
Por que insisto em sair da minha zona de conforto pra ser agredida.
O Natal está chegando. Mas meus ferimentos são demasiadamente profundos para serem estancados antes das festas.
Passarei o Natal sangrando.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Tartarugas Bebês.

Era virada de ano. Estava na praia com a minha família. Uma praia praticamente vazia senão pelas casinhas do condomínio fechado e umas esparças pessoas, a maioria de Minas.
Voltava de uma festa. Cantavam músicas, dançavam e os casais andavam de mãos dadas.
Eu, como costume, me sentia deslocada e alienígena. Sou muito diferente daquelas pessoas e mais ainda das que são "sangue do meu sangue". Não queria crescer. Andava sozinha pela trilha de mato cuidadosamente aparado, estava de sandália e as gotinhas do orvalho tocavam as laterais do meu pé. Não podia ver o mar, mas podia escutá-lo: à minha direita as casas do condomínio e o local da festa com as luzes acesas e as vozes que se distanciavam à cada passo novo, à minha esquerda algumas árvores e cactos e a limiar da areia, enorme pedaço de areia, uma porteirinha de madeira e o mar lá embaixo. Mas do que tudo da praia sinto saudade do cheiro do mar. E do céu. Um céu que é só estrelas e por vezes lua também.
Tenho muito medo do mar. Quando estou no mar me sinto prestes a me perder... ainda mais quando a água está quente e viva. Parece algum lugar que já estive. Estado embrionário. Deito na quebra suave das ondas com minha bochecha contra a areia e vou sentindo a água e a areia me sugarem. As vezes prendo a respiração e afundo o nariz na areia também.
Esses momentos de entrega absoluta, quase sono, quase sonho, me fazem sentir bem, minha mente se esvazia e vivencio a paz por algumas horas...uma paz consciente, diferente da do sono, que é o vazio. Também gosto do vazio.
O mato aquele dia era tão verde-escuro que era quase uma coisa só com a noite que o cobria. Escutei um roçar de passos atrás de mim e vi minha irmã, o marido dela e minha mãe. Eles estavam alegres e conversavam. Esboçei um sorriso apesar de não sorrir por dentro.
"O que é isso? É um besouro? É enorme!"-disse minha irmã. Quando nos aproximamos notamos vários...se arrastando pela grama. Ela os iluminou com a lanterna e pra minha surpresa eram tatarugas bebês. Desorientadas, pobrezinhas, com o barulho, o mato e todas as coisas não-naturais. Estavam morrendo, algumas estavam muito machucadas, faltavam-lhe olhinhos, haviam sido pisoteadas por gente e pelos poucos carros de quem foi para a cidade para ver os fogos de artifício. Meus parentes foram dormir. Peguei a lanterna emprestada.
Chamei algumas pessoas da festa. Elas me ajudaram. Colhi tartaruguinhas até não ver mais nenhuma mechendo sobre a grama. Fiz isso até amanhecer. Fiz isso até todos irem embora e ficarmos somente eu e elas. Eu quase chorava.
Devo ter colocado na água mais de cinquenta. Algumas nitidamente feridas e sem a mínima chance de nadar ou sobreviver. Na verdade, queria que elas pudessem ao menos se sentir no caminho. Sentir a areia, sentir a água em suas nadadeiras frágeis. Elas estavam fracas, por mais que impulsionassem seus corpinhos, a grama as empedia de chegar até a areia. Os cheiros se misturavam demais para elas entenderem onde estava o mar e seguirem sozinhas. Sabe-se lá por quantos minutos ou horas elas haviam lutado antes de eu as encontrar.
Na verdade, sabia que estatisticamente, e em condições normais, somente 3 das 200 tartaruguinhas chocadas conseguiriam chegar à vida adulta.
Não me importava. Só queria que elas pudessem tentar. Só queria que elas morressem como tartaruguinhas marinhas normais.
Mais tarde fui entender. Eu era cada uma delas. Colocá-las suavemente na água, ainda que elas já estivessem morrendo, me tirava um pouco do caminho desconhecido e me levava para meu lar. Ainda desconheço esse lar. Tenho muito medo de morrer na busca sem nunca conhecer o mar ou a areia. Amanhece e meu cadáver está ali largado, sujando a trilha, mal-cheiroso e pútrido no meio das pessoas que distantemente esboçam alguma pena ou algum nojo ou me julgam vítima das circunstâncias. Uma tartaruga-mãe não deveria chocar tão longe assim do mar. 

O que vivenciei foi um pequeno e assustador milagre.

A Work Of Artifice

Vi jardins japoneses. Um monge disse que quem consegue contemplar a beleza das coisas singelas tem por certo um coração bom. Existe um conceito que considera o imperfeito uma arte, no mesmo lugar em que os bonsais são feitos exclusivamente por homens. Tradições milenares. Me lembrou um poema que gosto muito:

A Work Of Artifice
                Marge Piercy

The bonsai tree
in the attractive pot
could have grown eighty feet tall
on the side of a mountain
till split by lightning.
But a gardener

carefully pruned it.

It is nine inches high.

Every day as he

whittles back the branches

the gardener croons,

It is your nature

to be small and cozy,

domestic and weak;

how lucky, little tree,

to have a pot to grow in.

With living creatures

one must begin very early

to dwarf their growth:

the bound feet,

the crippled brain,

the hair in curlers,

the hands you

love to touch.

Por mais que eu tente fugir dessa imagem, ela volta e volta à mim constantemente. Minha mãe me criou para servir. Uma gueixa da vida moderna. Tento me convecer que ela não estava errada, que as mulheres gostam desse papel de serventia, que gostam de se vender, que gostam de ser um corpo sem alma. Mas percebo que a maioria não sabe o que acontece. Não são mais perceptivas do que o gado em viés do abate... ou uma tartaruga bebê que andou em sentido oposto ao mar e se percebe longe demais para correr pela vida mais uma vez.
Queria tanto o turpor da alienação. Queria a morfina de não-pensar sobre o que sou. Não consigo me achar com um coração bom ainda que tenha contemplado a beleza em tantas coisas. Tenho um coração doente. Ainda que tenho vivido momentos mágicos.