segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Beleza Maior.




Com o rosto afundado entre aqueles seios fartos, ele pensa em divindades da fartura, da fecundidade e do deleite erótico. Aquele mar extenso de ondas macias e quentes, carnes perfumadas era também a personificação da feminilidade. A fala amendoada, os olhos lânguidos e a boca acetinada que lhe faziam carícias inimagináveis.
E o mais extraordinário de tudo, é que as vezes, ela buscava amor, pequena e fraca,quase moribunda,  por fraqueza de se sentir tão diferente.
"Ora!" dizia ele "é que o mundo estúpido não está acostumado com as proporções da sua beleza!"

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Raquel.


A fumaça sai de sua boca e brinca um pouco antes de se transformar em mais uma estrela. Quando está escuro assim a brasa do cigarro parece um pequeno vaga-lume artificial. Raquel brinca com seu cabelo sem se importar com o cheiro do tabaco em seus dedos- porque ela é livre. Mas na verdade esse é um gesto de pura tensão.


Apesar da noite ser tão bonita e escura vista assim do campo, ela não consegue parar de pensar na fotografia que ela deixou em casa. Na gaveta da mesa, com alguns poemas e o esboço de uma carta a ser escrita, talvez a última carta, certamente a última para aquele endereço.


A foto é de uma garota que ela viu no metro. Ela estava sentada em cima da sua própria bagagem, uma mala velha de couro, se encolhia  dentro do casaco por causa do frio, as bochechas eram rosadas e de suas orelhas saiam dois fios. O cabelo era preto com mexas azuis, um azul bem anil, azul de mar profundo. Raquel se viu distraida olhando aquelas ondas de fios quando seus olhos encontraram o rosto da garota. Ela pensa nunca ter visto um rosto mais triste que aquele.


Ela tentou se olhar no espelho e dizer que era mais triste que a menina com os fones de ouvido, mas não conseguiu, e a maneira com que ela viu a fumaça do cigarro naquela noite lhe dava uma dica porque ela não era assim tão infeliz. Certo era que ela se perguntava o tempo todo...se perguntava se ela mesma não era um sonho de alguma outra pessoa...


Não pertenceria a ela.(Como as palavras trocadas nas cartas que)certamente eram coisas alheias...coisas que se fermentavam em um futuro ficcional e um sentimento bobo. Roubaram minha alma, pensava.


E tremia ao cojitar que tudo podia não passar de mentiras de outro alguém. 



segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

O Cão e A Pardal(adaptação de "The Dog and The Sparrow", dos Irmãos Grimm)

Um cão, com o passar da estupidez infantil de seus primeiros anos, decide fugir de seu dono e seus constantes mal-tratos. "Ora!, pensa, por mais fome e cansaço não passarei, já que trabalho todo o dia e de noite guardo a fazenda, sem que eu mereça uma migalha de pão do café da manhã dos humanos".
E antes que dessem por sua falta, roeu a corda que lhe prendia à bancada da varanda e seguiu muito seguro em direção a cidade. O dia não tardou a amanhecer e o sol lhe fervia os pobres miolos, sua língua pendia de sede. Foi quando avistou uma sombra fria e generosa em meio a alguns arbustos na beira da estrada. Decidiu parar ali um pouco para se recompor e continuar a caminhada.
Uma diminuta pardal que havia feito seu ninho ali, se assusta tanto com a inesperada aparição, que se deixa cair entre as patas estiradas do enorme e magro cão, que até então dormia um sono pesado, alheio a tudo. Atordoado e com a pequena ave a poucos centímetros de sua bocarra, o cão diz "Dê-me um bom motivo para não devorá-la pois estou faminto!". A pardal timidamente ergue uma de suas asinhas e mostra ao cão o seu ninho com três filhotinhos pelados, cegos, frágeis e tão famintos quanto o cão.
O cão suspira e aproveita pra coçar atrás de suas orelhas. A mamãe pardal feliz por sua sorte, percebe imediatamente que aquele sim é um cão bondozo e sente pena de seu amigo pulguento de costelas protuberantes. "Muito bem!" diz a ave "me siga pela cidade e eu te recompensarei por ter poupado a mim e aos meus pequenos filhotes!"
Os dois seguem a trotar até a cidade e lá chegando a pardal orienta o cão para esperá-la em um beco próximo. Muito acostumada a carregar minhocas e muitos gravetos, a furtiva ave rouba-com destreza exemplar-uma comprida lingüiça do mostruário de um açougue e leva até o seu simpático companheiro. Depois de comer o maior pedaço de carne que já vira na vida, o cão se mostra um verdadeiro glutão e pede a sua amiguinha que por gentileza o conseguisse também um pouco de pão branco. Imediatamente a pardal voa e volta com uma bisnaga inteira.
Achando fácil a tarefa de alimentar o cão e tocada pela alegria com que o mesmo balançava seu rabinho fino, a pardal decide convidá-lo para morar entre os arbustos e ser seu vizinho. Assim, ele poderia afugentar as raposas e outros animais que quisessem devorar seus filhotes e em troca, ela lhe arranjaria sempre boa comida dispensada pelos humanos.
O cão arfa de felicidade já imaginando os futuros banquetes e antes de seguirem até os arbustos, servem-se da água de um grande coxo onde dois cavalos espantavam preguiçosamente as moscas sacolejando suas longas crinas pretas e embaraçadas.
No meio do caminho, o cão que parecia uma melancia enfeitada com quatro patinhas esqueléticas e um longo focinho, deixa-se cair no meio da estrada de terra fofa e pôe-se a cochilar com seu ar infantil. A pardal compreende que seu amigo está cheio demais para proseguir e se posiciona na estrada afim de vigiá-lo o sono.
Ao longe, uma carroça se aproxima e a pardal esvoaça sobre o carroceiro para alertá-lo. Indiferente o maldoso carroceiro atropela covardemente o cão que antes de sucumbir à lenta e dolorosa morte lança um languido olhar de adeus à sua diminuta amiga.
A pardal como sua primeira vingança, fura com bicadas violentas, os dois barris de vinho que eram carregados na carroça, deixando com que o líquido avermelhado manchasse a terra da estradinha. O carroceiro sente o cheiro de vinagre evaporado pelo sol e ao constatar a perda de sua carga diz: "Pobre e miserável que sou eu-perdi meses de trabalho no vinhedo" e a pardal responde "Não pobre e miserável o suficiente pois há de pagar ainda mais pela covardia que fizeste com o meu amigo".
Tomado por ódio, o homem tenta acertar a pardal com uma pedra, mas erra a pontaria e acaba por acertar a cabeça de um dos seus cavalos que cai morto. O homem se ajoelha junto ao cavalo morto e exclama "Pobre e miserável sou eu-acabei de matar um dos meus cavalos" e a pardal novamente responde que ele ainda há de sofrer mais por ter atropelado o cão.
O homem, sem a sua carga e sem o melhor de seus cavalos se vê obrigado à voltar para casa. A pardal voa furiosamente em volta do homem que tenta agarrá-la furioso e fingindo estar cansada, deixa-se pousar sobre a cabeça do outro cavalo. O carroceiro, a achando que a ave era incapaz de voar naquele momento, com um ar de esperteza arranca um estilingue do bolso e acaba matando o seu segundo cavalo. Ao ouvir mais uma vezo resmungo do homem, a pardal vocifera que ele há de pagar em sua casa pelo ato maldoso que cometera e se adianta rapidamente até a choupana onde ele morava.
Quando o homem chega em casa, encontra a mulher aos prantos, pois um bando de pardais e outras aves estavam devorando toda a comida que eles guardavam na dispensa e também o trigo que estava no ponto de ser ceifado. Eles então, sem comida ou dinheiro, lamentam por sua miséria e vêem a pardal surgir na janela e responder "Não miserável o bastante pois há de pagar com a própria vida, a vida que tiraste do meu amigo". O homem e a mulher tentam por muito tempo agarrar a pequenina pardal até que por fim o homem a segura firme entre as mãos e notando que a avezinha era esperta demais para se prender por muito tempo, ordena a sua mulher que agarre o machado enconstado junto a lareira.
A pardal começa a bicá-lo e a se controcer dentro de suas mãos e o homem, se vendo prestes a perdê-la, começa a gritar desesperadamente para a sua mulher-a não mais espertas das mulheres- que a matasse ali mesmo em suas mãos. A tola mulher, não menos enraivecida que o homem, desfere com toda a sua força um golpe de machado. Mas eis que a pardal escorrega das mãos do cruel carroceiro naquela exata hora e ele ao tentar agarrá-la novamente recebe fatalmente a machada em seu crânio.
Exausta, a pardal junta algum trigo da dourada plantação em seu biquinho e voa serenamente para os arbustos onde os seus filhotes a esperam a piar com seus bicos abertos.