Tinha uma boate onde a música era sempre alta e as luzes sempre rodopiavam, rodopiavam. Tinha uma garota despedaçada e também ela rodopiava. Ela achava que dessa vez terminaria de morrer, se quebraria por completo. Tinha um fantasma que era um personagem masculino ficcional e ficcionais eram suas palavras- que ainda assim eram cortantes. E tinha um outro, um corpo atrativo mas sem mente que a propusera um envolvimento e ela dissera "não" porque ela tinha mente e corpo. Tinha também uma garota, outra, do passado que carregava o sol,e cheirava à canela e temperos exóticos. Toda quente. Mas também a coisa mais livre e por isso não se valia a pena a prender, ela perderia o canto e minguaria. A garota despedaçada não era má, ou perversa. Ela era uma boa alma. Era frágil por dentro e ninguém notava a melancolia escondida de euforia e decisão. Tinha uma alma gêmea mas como gêmeas siamesas, elas não se completavam, as duas juntas eram um monstrinho de solidão e desesperança mas as duas se embebiam de suas danças e se concentravam na parte divertida do mundo em que elas eram a espinhela alienígena por serem legitimamente boas e verdadeiras. Elas sabiam de coisas delicadas e bonitas e fingiam uma pra outra estarem inteiras.
Então aconteceu de um dia uma dívida a ser paga. Era um dia de chuva. O dia feio e o dia mais bonito. A chuva caia e a fumaça dos cigarros dela escalava o céu preto. Era um dia estranho, ela vestia roxo e estava sem maquiagem. Tinha um silêncio pouco usual na atmosfera. Esse silêncio se fazia dentro dela, ela estava paralisada. Tinha um homem aquele dia, mas sempre tinham homens e mulheres e todos eram potencialmente perigosos pra quem está sozinho e pronto para morrer. Talvez haja uma beleza mórbida e estravagante em pessoas assim. E ele a quis de fato conhecer. Ela sublimou e lutou com o rush de sentimentos que insitiam em tentar sugir e mesmo com a vista cega pelo medo ela o viu. Mas naquele dia ela sorriu o sorriso mais triste, e não soube se ele percebia que ela não vestia seu verdadeiro rosto...aquele dia.
Mas dias generosos vieram, e ele era a coisa mais complexa e maravilhosa que ela sabia existir e resolveu o guardar consigo, como amigo talvez. Mas com suas mãos em concha, ele recolheu a matéria que havia sobrado da menina despedaçada e construiu uma nova. E muitos dias depois eles se beijaram. E agora ela se sente pronta de novo para ter alguém só seu. Ela o ama como se amaria um príncipe que derrota o dragão. O dragão era o medo. E ele sabe como cuidar de algo aparentemente forte mas que é mais frágil que qualquer criaturinha bebê. Em outros tempos ela cantaria "amor, amor" pelas esquinas, mas esse é um segredo seu: ele não é sua última esperança, nem uma esperança sequer. Ele é o fio traçado e emaranhado pelas Tríades... porque quando não há expectativas se é simplesmente. E assim ela o quer para si. Um querer sem querer. Um querer póstumo. Um querer maior do que os de todas as horas vividas. Ele forjou a necessidade com seu brilhantismo extraordinário, versos seus e emprestados, e um universo de coisas infinitesimalmente encantadoras. Ele a reconstruiu.
Pessoas sao arquitetos da gente. Dia a dia, elas constroem meu ser. Algumas derrubam toda a construçao. Artista é aquele que consegue levantar seu alicerce quebrado e fazer dele uma obra prima.
ResponderExcluirAmei este conto.
Muito mesmo.
Adoro suas meninas.
Lindamente familiar. . . .
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